ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO

13/12/2016

ATORES ENVOLVIDOS

Povo Indígena Krenak; Ministério Público Federal (MPF); Samarco Mineração S.A.; VALE S.A.

MUNICÍPIO

Resplendor

CLASSIFICAÇÃO GERAL E ESPECÍFICA

Demanda Territorial (Terras Indígenas)
Infra-Estrutura (Barragem)

Atividades / Processos Geradores de Conflito Ambiental

Contaminação das águas do Rio Doce, impedindo a realização de práticas tradicionais e rituais sagrados, gerando também riscos à saúde da população indígena.

Descrição do caso:
(população afetada, ecossistema afetado, Área atingida, histórico do caso)

O rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, em 05/11/2015, constitui mais um caso emblemático da extrema violência sofrida pelo povo Krenak ao longo da sua história. A lama que contaminou toda a extensão do Rio Doce, ou Watu na língua Krenak, afetou a reprodução de práticas culturais tradicionais ligadas ao rio no território indígena, interferindo diretamente nas dinâmicas e condições de vida dos Krenak, também conhecidos como os Borum do Watu (ARANTES, 2006; ISA/PIB, 2016).

 

Além de comprometer os rituais e atividades realizados no “rio sagrado”, como o batismo das crianças e a coleta de ervas medicinais e de materiais para a produção de seu artesanato (ALVES & SANTOS, 2016), os Krenak vêm sofrendo com a morte de peixes e com a contaminação da água, o que coloca riscos à saúde dos indígenas. De acordo com Euclides Krenak (apud MAB, 2016a), morador mais velho da reserva indígena: “Antes nós vivíamos na beira do rio, na beira da praia, andando, pescando. O fato é que tudo se acabou. Mas nós temos que enfrentar esta é a luta né. Diz que o pobre vive no mundo de teimoso e é verdade mesmo”.

 

As palavras do cacique Leomir Krenak dão a dimensão da importância do rio para os Krenak, bem como das consequências do desastre para seu povo:

 

Muitos aí fora acham que o rio é só água e peixe, mas para nós era a fonte de sobrevivência e uma questão de cultura. Desde o início dos nossos antepassados, o rio Doce mantém nosso povo. É questão de religião, é sagrado. Mas agora ele está morto (relato de Leomir Krenak apud MAIA & SEVILLA, 2015).

 

Como forma de protesto contra a morte do Watu, os Krenak realizaram em 13/11/2015 o bloqueio da Estrada de Ferro Vitória-Minas, que escoa a produção da mineradora Vale, uma das controladoras da Samarco (MAIA & SEVILLA, 2015). Segundo o cacique Leomir Krenak, o protesto foi a solução encontrada para denunciar os problemas vivenciados pelos Krenak dado a negativa de diálogo dos representantes da Vale com os indígenas. Somente depois de três dias de protesto os Krenak liberaram a ferrovia, após a promessa da Vale em fornecer ajuda financeira às famílias, além de água para consumo humano e animal. A empresa também se comprometeu a construir uma cerca ao longo da margem do rio e 120 cisternas na área indígena (MAIA & SEVILLA, 2015).

 

Contudo, passado um ano do rompimento da barragem de Fundão, os Krenak ainda sofrem com a morte do Watu, tornando-se dependentes do fornecimento de água. Eles reclamam das ações da Samarco, especialmente da demora na apresentação do plano de limpeza do Rio Doce e da ausência de representantes da empresa para dialogar com os indígenas (RIBEIRO & FERNANDES, 2016). Segundo Geovani Krenak:

 

Depois de um ano desse acontecimento, nosso povo ainda procura entendimento das coisas pra tudo o que aconteceu. Porque pela primeira vez a gente deixou de praticar os rituais sagrados do povo... que é feito no rio. E isso é a coisa que mais tem sido difícil de assimilar e de aceitar. Por que a maioria das pessoas não entende isso; a empresa não entende isso. A empresa entende que ela chega lá e ela bota um caminhão-pipa pra poder atender... por causa que o rio tá poluído e acha que vai resolver o problema ou do povo indígena ou dos pescadores. Mas não. A gente não entende dessa forma, a gente tá denunciando, a gente vai protestar, a gente vai reivindicar os direitos. O povo entende que o espírito do rio tá morto (entrevista de Geovani Krenak apud MAB, 2016b).

 

 O líder indígena Aílton Krenak também criticou a postura da Samarco, mostrando toda a sua indignação com a histórica espoliação territorial dos Krenak e dos povos indígenas do Brasil:

 

Watu, que é como nós chamamos aquele rio, é uma entidade; tem personalidade. Ele não é um ‘recurso’ como os pilantras dos engenheiros da Vale, administradores do Governo, da Agência Nacional das Águas, do Comitê de Bacias sugerem. Eles criam toda essa linguagem despistante, malandra, para sugerir que foi um acidente, que eles usam recursos e que as pessoas, os coletivos, as comunidades que são atingidas por esse dano, são vitimadas por esse evento, são ‘beneficiários’. Os beneficiários da presença dessas corporações na nossa região ficam sujeitos a acordar soterrados por uma lama venenosa.

(...)

A aldeia está sendo abastecida por dois caminhões pipa que passam nas casas enchendo caixas d'água duas vezes por semana e entregam nas casas das famílias um fardo com 20 garrafas de 2 litros [de água mineral], porque o Ministério Público obrigou a Vale e a Samarco a fazerem a entrega para essas famílias que foram vítimas desse crime ambiental incalculável.

(...)

Mesmo que a empresa seja condenada a suprir aquela gente com água mineral naquele lugar, parece que você está colocando uma pessoa num balão, botando soro nela, oxigênio, e ela vai ficar em coma como o rio. O rio está em coma. De certa maneira, essa prontidão que as pessoas estão vivendo na margem do rio agora deixa elas no mesmo estado simbólico de coma em que o corpo do rio está. Eu vejo isso como uma coisa tão assustadora, que tenho dificuldade de falar no Watu sem me revoltar.

(...)

Esse evento denuncia um quadro global, no qual paisagens, territórios e comunidades humanas fazem parte de um pacote que essas grandes fortunas, através das suas corporações, continuam tratando como material descartável. Nós somos ajuntamentos nada relevantes para esses caras e eles nos manipulam do jeito que querem. Somos colônias avassaladas. Esses caras fazem o que querem com os nossos territórios, nosso litoral, nossa floresta.

O Rio Doce só grita de uma maneira incontida o fato de estarmos todos sujeitos a ser plasmados por uma meleca tóxica dessas em qualquer lugar e não ter nem a quem reclamar. Nós estamos em maus lençóis (entrevista de Aílton Krenak apud ISA, 2016).

 

 

Numa dimensão mais ampliada, os documentários Reformatório Krenak (https://www.youtube.com/watch?v=Qpx8nKVXOAo) e Guerra sem Fim: resistência e luta do povo Krenak (https://www.youtube.com/watch?v=DfkGVfkJpAM), realizados pelo MPF com parcerias e lançados em 2016, revelam o processo de expropriação dos Krenak ao longo dos anos. No dia 07/11/2016, em evento organizado pela reitoria da UFMG, programou-se um pedido oficial de desculpas do Estado brasileiro ao povo Krenak (https://www.ufmg.br/online/arquivos/045875.shtml). Durante o evento, protesto de estudantes se juntaram aos Krenak para denunciar a violência contra o Rio Doce / Watu e o povo indígena.


REFERÊNCIAS:

 

ARANTES, Luana Lazzeri. Diferenças indissolúveis: um estudo sobre a sociabilidade Borum. 2006. 126 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)-Universidade de Brasília, Brasília, 2006.

 

ALVES & SANTOS. Após a lama, tribo Krenak deixou de fazer rituais e festas no Rio Doce. Portal G1, 30/10/2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/espirito-santo/desastre-ambiental-no-rio-doce/noticia/2016/10/apos-lama-tribo-krenak-deixou-de-fazer-rituais-e-festas-no-rio-doce.html>. Acesso em: 05/12/2016.

 

ISA. Instituto Socioambiental. “Não foi um acidente”, diz Ailton Krenak sobre a tragédia de Mariana. Entrevista realizada por Marília Senlle, Mario Brunoro, Rafael Monteiro Tannus e Tatiane Klein, 09/11/2016. Disponível em: <https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/nao-foi-um-acidente-diz-ailton-krenak-sobre-a-tragedia-de-mariana>. Acesso em: 05/12/2016.

 

ISA/PIB. Instituto Socioambiental. Povos Indígenas do Brasil. Krenak: fontes de informação. 2016. Disponível em: <https://pib.socioambiental.org/pt/povo/krenak/1617>. Acesso em: 05/12/2016.

 

MAB. Movimento dos Atingidos por Barragens. Indígenas da aldeia Krenak lamentam a morte do Rio Doce. 02/02/2016. Disponível em: <http://tragedianunciada.mabnacional.org.br/2016/02/02/indigenas-da-aldeia-krenak-lamentam-a-morte-do-rio-doce/>. Acesso em: 05/12/2016.

 

MAB. Movimento dos Atingidos por Barragens. A Luta Vencerá a Lama: uma marcha por justiça no Rio Doce. Documentário, 2016b. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=sV-cSHwTJzs>. Acesso em: 13/12/2016.

 

MAIA & SEVILLA. Índios lamentam tragédia em MG: 'O rio Doce sabia que ia ser morto'. Portal UOL, 19/11/2015. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/11/19/indios-lamentam-tragedia-em-mg-o-rio-doce-sabia-que-ia-ser-morto.htm>. Acesso em: 05/12/2016.

 

RIBEIRO & FERNANDES. Lama da Samarco faz povo Krenak depender de água mineral. O Estado de São Paulo. Caderno Brasil, 04/11/2016. Disponível em: <http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,lama-faz-indios-krenaks-depender-de-agua-mineral,10000086316>. Acesso em: 05/12/2016.