Amazônia, o paraíso fiscal das mineradoras. Entrevista especial com Luiz Jardim
O decreto do governo federal que extinguiu a Reserva Nacional do Cobre e Associados – Renca tem um objetivo “político” e demonstra que “o governo Temer sinaliza para omercado da mineração que ele vai promover medidas para flexibilizar qualquer tipo de projeto econômico via mineração”, avalia o geógrafo Luiz Jardim, na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line. Segundo ele, já que o projeto do novo Código da Mineração foi “esfacelado”, o propósito do governo é aprovar uma série de medidas provisórias para favorecer o setor da mineração.
De acordo com Jardim, a extinção da Renca tende a intensificar a extração de minério na Amazônia. No momento, informa, dois são os setores que estão interessados na exploração mineral na região. De um lado, estão “as grandes mineradoras com o intuito de reservar aquela área, assim elas podem pedir a concessão para segurar o espaço, fazer algum tipo de pesquisa, impedindo que outra grande mineradora chegue”. De outro, diz, empresas de menor porte, interessadas em pesquisas, devem ser os potenciais interessados na região. “O segundo grupo, que pode estar mais interessado na Renca, é composto pelas pequenas mineradoras, chamadas ‘empresas júnior’, que, em geral, são empresas canadenses, sul-africanas, australianas e inglesas. Elas têm uma atuação intensa no mercado financeiro e são, hoje em dia, dentro de uma rede global de produção do setor mineral, as empresas que produzem as pesquisas primárias — são elas que produzem o material de pesquisa e comprovam se há ou não condição econômica de se explorar determinada área/jazida”.
Na entrevista a seguir, Jardim comenta as principais implicações ambientais e sociaisenvolvidas na atividade mineral e frisa que o investimento no setor “é altamente preocupante do ponto de vista do desenvolvimento nacional, porque essa atividade de mineração, exclusivamente exportadora, não visa a nenhum tipo de desenvolvimento para além da cadeia do território nacional, por isso não produz agregação de valor em território nacional, e quando produz, é uma agregação de valor de pequeno potencial e altamente poluidora, como é, por exemplo, a transformação de bauxita em alumínio primário”.
.Luiz Jardim | Foto: FEUC
Luiz Jardim é graduado em Geografia, mestre e doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Atualmente leciona no Departamento de Geografia da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
Confira a entrevista.
IHU On-Line — Como o senhor recebeu a notícia da extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados – Renca, criada em 1984 e localizada nos estados do Pará e do Amapá? Qual é o significado simbólico da extinção dessa reserva e por que o governo a extinguiu?
Luiz Jardim — Avaliamos não só em nosso grupo de pesquisa, chamado Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade – PoEMAS, mas também noComitê em Defesa do Território da Mineração do qual fazemos parte, que a extinção da Renca tem um objetivo, em primeiro lugar, político, em que o governo Temer sinaliza para o mercado da mineração que ele vai promover medidas para flexibilizar qualquer tipo de projeto econômico via mineração. Então, o presidente vai tentar flexibilizar o setor da mineração, as barreiras que hoje existem e qualquer outro tipo de empecilho. O primeiro deles é justamente o das concessões que hoje estão sob o comando da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais – CPRM; ou seja, Temer vai disponibilizar ao mercado essas áreas que antes pertenciam ao governo federal.
O governo Temer sinaliza para o mercado da mineração que ele vai promover medidas para flexibilizar qualquer tipo de projeto econômico via mineração
Trata-se de uma sinalização do governo de que esse setor será favorecido pela flexibilização e instalação de empreendimentos e pelo avanço da pesquisa mineral. Isso é altamente preocupante não só porque produz a ocupação de pesquisas nessa localidade, mas também indica que o governo abrirá novas áreas, sejam as que estão em pontos do CPRM, sejam as que são desejadas em outros projetos de lei, inclusive em áreas indígenas e em Unidades de Conservação de uso restrito.
IHU On-Line — Que relações estabelece entre esse decreto e a proposta do novo Código da Mineração?
Luiz Jardim — Esse decreto está dentro do novo Código da Mineração, isto é, o Código da Mineração foi esfacelado, dividido em medidas provisórias para ter um rápido andamento e visa, de fato, ao processo de privatização e fortalecimento do setor privado na discussão da mineração. Então, assim como a criação de uma Agência Nacional de Mineração, que tenderá a sofrer uma influência mais forte do setor da mineração, em que haverá uma política mais direcionada a atender às demandas do setor privado, essa medida casa de maneira muito sintomática com a privatização dessas áreas que pertencem ao Estado hoje, como a Renca e outras áreas de concessão. Ao mesmo tempo, as medidas provisórias do governo são no sentido de favorecer mais a mineração. Então, abrir novas áreas ao setor privado é também impulsionar mais a mineração.
IHU On-Line — Foram publicadas algumas notícias na imprensa informando que sempre houve extração mineral na Renca, mas que a extração estava subordinada à análise da Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais. Que informações o senhor tem sobre isso? Havia extração de minérios na Reserva? Com qual finalidade era feita essa extração?
Luiz Jardim — Pelo que sabemos, a área da Renca, que é conhecida também como Região do Jari, já teve áreas de mineração de pequeno porte — garimpos —, porém nunca foram áreas de grande expansão garimpeira. Comparada com outras áreas da Amazônia, não era uma área prioritária do garimpo; houve garimpo, mas com menos força do que em outras regiões da Amazônia. Não temos certeza se hoje ainda existe garimpo funcionando na Reserva, até porque o preço baixou bastante, e a gasolina aumentou de preço, o que dificulta o garimpo e o torna mais caro. Além disso, a área da Renca é muito longínqua, por isso tem um alto custo de transporte.
Pelas informações que temos, existem algumas pistas de pouso clandestinas dentro dessa área e muitas delas estão desativadas. Então, existe algum tipo de garimpo, de pequeníssimo porte, mas com impacto significativo, porque jogam mercúrio na água, destroem as matas e o solo. No entanto, não há qualquer segurança de que a chegada de empresas privadas produza qualquer tipo de eliminação do garimpo nessas áreas. Se olharmos a Amazônia como um todo, e os casos do Suriname, do Tapajós, do Pará e até de Serra Pelada, onde há ocupação de empresas mineradoras, veremos que a mineração e o garimpo não necessariamente competem pelo mesmo minério. A mineradora está muito mais preocupada com a rocha mais profunda e com teores mais elevados de extração, e o garimpo, ao contrário, pode operar com qualquer teor, principalmente em minérios de fácil acesso.
(Mapa: Tijolaço)