Atingidos por desastre de Mariana criticam acordo na Justiça

Ana Lucia Azevedo, Jornal O Globo

Atingidos pelo rompimento da barragem de rejeito de mineração da Samarco, em 2015, temem pelo tempo que ainda levará para que sejam indenizados e dizem não ter participado das negociações que levaram ao acordo anunciado segunda-feira entre a mineradora, suas controladoras (Vale e BHP Billiton), ministérios públicos, as defensorias e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e mais nove órgãos públicos.

O novo acordo do termo de ajustamento de conduta extingue um ação pública de R$ 20 bilhões, suspende outra de R$ 155 bilhões por dois anos, mas prevê a participação de representantes dos atingidos na negociação, a chamada repactuação do termo de ajustamento de conduta. Esta participação, porém, foi considerada limitada e desproporcional. Antes, porém, eles não participavam das instâncias criadas para gerir os danos do maior desastre ambiental da história do Brasil.

Os atingidos terão direito a duas das nove cadeiras do Conselho Curador da Fundação Renova, criada pelo termo de ajustamento de conduta para indenizar, compensar e reparar os danos. As mineradoras têm seis. E o Comitê Interfederativo (que valida os atos da Renova), uma. No próprio comitê, terão três assentos, em 16.

O coordenador da força-tarefa do MPF em Minas, José Adércio Leite Sampaio, afirma que a parte mais importante é a participação dos atingidos nas Comissões Locais e Câmaras Regionais criadas para acompanhar o andamento dos programas da Renova. “A Renova deixará de ter o protagonismo que tem hoje. As seis novas câmaras regionais imporão um maior controle sobre ela e aumentarão a pressão sobre, por exemplo, os reassentamentos atrasados”, assegura.

Atingida de Mariana, Lucimar Muniz destaca que não houve participação dos atingidos no processo de elaboração do acordo de segunda-feira. Segundo ela, uma equipe do MP esteve no escritório dos atingidos em fevereiro deste ano, mas não houve um retorno oficial sobre as demandas apresentadas por eles. “Até agora, o máximo que conseguimos foi um mero papel consultivo. Falar de representatividade em conselhos controlados pelas mineradoras não é correto. Não temos o menor poder deliberativo”, frisa.

Giovani Krenak, do povo krenak que tem seis aldeias em Resplendor (MG), lamenta que passado tanto tempo os atingidos ainda tenham que lutar por mais participação no processo que decide suas vidas. Ele destaca que o desastre continua em curso e que “seu modo de vida foi profundamente transformado”.

— Há muitos tipos de atingidos e muitas demandas diferentes, de milhares de pessoas. Tão poucas cadeiras não nos darão voz. E menos ainda farão diferença nas decisões. Nós não perdemos só nosso modo de vida, mas vimos o rio que faz parte de nossa espiritualidade ser morto. Até agora, tudo continua impune — frisa.

Já o advogado Leonardo Amarante, que representa 1.500 dos 9.400 pescadores atingidos no Espiríto Santo, diz que nem todos os pontos do acordo são claros. “Não há definição sobre a continuação da proibição da pesca, sobre o reconhecimento dos atingidos”, observa. Ele acrescenta que o grupo que representa já recebeu a primeira parte das indenizações, mas constitui uma minoria. “Tudo permanece inconclusivo. A vida das pessoas está parada. É preciso acelerar”, frisa.

Raquel Oliveira, do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da UFMG, que acompanha o andamento das negociações e as ações feitas para reparar os danos, afirma que o documento ainda está sendo analisado, mas que já fica claro que a participação não é paritária nem aberta “e pode dar uma falsa ideia de validação a acordos nos quais os atingidos não tiveram voz ativa”. Ela lembra que até o início deste ano ainda havia pessoas sendo reconhecidas como atingidas em caráter emergencial. “Tudo o que acontece são incontáveis reuniões, sem qualquer resultado concreto para a vida das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem”.

Após dois anos e sete meses do desastre, o número de atingidos permanece em aberto, pois o cadastramento das pessoas impactadas ainda não terminou. O reassentamento dos moradores dos povoados de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, ambos em Mariana, e Gesteira (Barra Longa), destruídos pela lama de rejeito de mineração, não tem sequer um prazo para ser realizado. Em Gesteira, ainda havia pessoas atingidas que só este ano foram reconhecidas como tal. Para o reassentamento de Paracatu será preciso ter uma nova legislação. O novo Bento Rodrigues está à espera do processo de licenciamento do projeto.

O coordenador-geral da força tarefa do MP, José Adércio Leite Sampaio, destaca os numerosos atrasos nos programas da Renova, mas observa que a inclusão das Defensorias Públicas no processo de repactuação do acordo e no acompanhamento dos programas e o estabelecimento de assessorias técnicas para os atingidos deverá dar a estes mais segurança e representatividade.

A curto prazo, ele reconhece que o novo acordo significará poucas mudanças. A previsão é que as comissões locais sejam formadas de quatro a oito meses. As câmaras regionais, só depois disso.

— O mais importante foi garantir o andamento da negociação e um controle maior sobre a Renova, que não poderá mais impor suas decisões sobre os atingidos. A maioria dos programas não está funcionando, mas poderá funcionar. Achamos que vai melhorar — frisa Sampaio.

Ele garante que o novo acordo não impedirá ações individuais e alguns tipos de coletivas_ as ações coletivas poderão ser incorporadas ao atual acordo pela Justiça. Também assegura que podem surgir novas ações, em função de novos danos ambientais causados pelo desastre. Cerca da metade da lama que vazou de Fundão permanece no leito e nas margens dos rios Gualaxo do Norte e Carmo.

— Esses processos são longos. Digamos que em 15 anos esteja transitado e julgado. A nossa meta é agilizar partes fundamentais do processo, como as indenizações e os reassentamentos — diz o procurador.

O diretor-presidente da Samarco, Rodrigo Vilela, em nota, reafirmou o compromisso da empresa com as comunidades e os locais impactados. A nota da Samarco destaca que o acordo “busca aprimorar a participação das pessoas impactadas pelo rompimento da barragem de Fundão nos programas de reparação”. Segundo ele, “a presença de diversas entidades na assinatura do termo demonstra que há consenso em aprimorar soluções”. A Renova também afirmou em nota que acolhe a participação dos atingidos como um avanço na governança.

Fonte: O Globo. Atingidos por desastre de Mariana criticam acordo na Justiça. 27 de junho de 2018. <https://oglobo.globo.com/brasil/atingidos-por-desastre-de-mariana-criticam-acordo-na-justica-22824755>. Acesso em 2 de julho de 2018.

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