CARTA POLÍTICA DO I MUTIRÃO DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS NO TERRITÓRIO XAKRIABÁ – MG

Reunidos e reunidas, entre os dias 16 a 19 de abril de 2015, na Terra Indígena Xakriabá, Aldeia

Brejo Mata Fome, em São João das Missões – MG, no I Mutirão dos Povos e Comunidades

Tradicionais, com o tema “Aliança e Mobilização em Defesa dos Direitos Constitucionais”, nós,

representantes de Povos e Comunidades Tradicionais (indígenas Xakriabá de São João das

Missões, Xakriabá de Cocos – BA e Krenak, Quilombolas, Vazanteiros, Geraizeiros, Veredeiros,

Caatingueiros e Apanhadoras(es) de Flores Sempre-vivas), de organizações e movimentos

sociais, pastorais, organizações de apoio e assessoria e de núcleos de estudos e pesquisas,declaramos:

 

Nossa indignação:

 com a extrema morosidade e falta de interesse político com o processo de regularização

dos territórios indígenas;

 com a lentidão da regularização dos territórios quilombolas, que contribui com a

perpetuação do trabalho escravo, mesmo após 127 anos da declaração de sua extinção;

 com o fato de que, até hoje, as Comunidades Tradicionais, que contribuíram com a

construção e referência da nacionalidade brasileira, não foram contempladas com um

marco jurídico que reconheça e regularize os seus territórios;

 com a continuidade de vultosos subsídios, diretos e indiretos, promovidos pelo Estado

para o avanço dos grandes projetos de criação de gado, monoculturas, mineração,

associados com grandes obras de infraestrutura como a de barragens e hidrelétricas,

provocando uma contínua desestruturação das economias e dos territórios das

Comunidades Tradicionais, em particular nos cerrados brasileiros, o que pressupõe um

verdadeiro assalto contra a rica agrobiodiversidade e sociodiversidade brasileiras;

 e repúdio com a decisão liminar do juiz federal Adverci Rates Mendes de Abreu, titular da

20 vara do Distrito Federal, que determinou à FUNAI a imediata suspensão do processo

administrativo de identificação, delimitação e ampliação da Terra Indígena Xakriabá, em

ação proposta pelo prefeito municipal de Itacarambi Ramon Campos (processo n 10917-

73. 2015. 4. 01. 3400);

 e repúdio ao projeto de emenda à Constituição (PEC 215).

Denunciamos:

 que até hoje a proposta de Educação do Campo pouco avançou no âmbito das políticas

públicas municipais e estaduais, o que impede o estímulo à permanência da juventude no

campo;

 que a destruição da sócio-bio e agrodiversidade se acentua continuamente;

 

 que os ecossistemas dos rios e outros sistemas aquáticos são bloqueados e poluídos,

criando danos para as Comunidades Tradicionais que vivem destas fontes;

 a criminalização e o assassinato de lideranças por antagonistas nas lutas em defesa dos

interesses, das causas e das comunidades que representam;

 a constante violação de direitos e criminalização das práticas dos Povos e Comunidades

Tradicionais;

 que as condições de produção e trabalho não estão sendo mantidas, sobretudo pela falta

de acesso a terras agricultáveis ou mesmo de terras de uso comum para agroextrativismo

e criação;

 que a justiça não tem sido imparcial em suas decisões, muitas vezes assumindo caráter

ideológico contra os direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais;

 que instituições estatais de meio ambiente expulsam Povos e Comunidades Tradicionais

de seus territórios, com a criação de unidades de conservação de proteção integral,

gerando prejuízos para a biodiversidade local, sem entender que estes territórios são

ecologicamente ricos por estarem sendo utilizados e cuidados, há várias gerações, pelas

comunidades tradicionais.

Reiteramos:

 que o Brasil assinou a OIT 169, ratificada por meio do Decreto n0

Estado a proteger os Povos e Comunidades Tradicionais;

 que o Brasil assinou a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das

Expressões Culturais, ratificada pelo Decreto n0

 que os artigos 215 e 216 da Constituição Federal de 1988, garantem um estado

multicultural e multiétnico, bem como a proteção de todos os grupos formadores do

processo civilizatório nacional, incluso sua cultura imaterial;

 que os artigos 231 e 232 da Constituição Federal garantem os direitos indígenas;

 que o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias garante os direitos

territoriais das comunidades quilombolas;

 que o decreto 6040 criou a Política Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais e a

Lei no 21.147 instituiu a Política Estadual dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas

Gerais;

 que o Brasil assinou os documentos da ECO’92, que definiram para os Povos e

Comunidades Tradicionais um papel vital para o desenvolvimento sustentável e que a sua

promoção cabe ao Estado.

 

Constatamos:

 que todas as obrigações internacionais, constitucionais e jurídicas assumidas pelo Brasil

vêm sendo constantemente negligenciadas e que todas as políticas e programas públicos

criados pelo próprio governo brasileiro não têm sido priorizados.

Assim, as organizações dos Povos e Comunidades Tradicionais reunidas no I Mutirão dos Povos

e Comunidades Tradicionais exigem dos governos federais, estaduais e municipais de forma

ampla:

1. A conclusão, nos próximos 10 anos, da regularização dos territórios indígenas;

2. A conclusão, em uma geração (ou seja, meio século depois da proclamação da

Constituição Federal de 1988), a regularização de todos os territórios quilombolas. Isso

significa que a cada ano devem ser regularizados entre 150 e 160 territórios quilombolas

no Brasil;

3. A suspensão de todas as formas de subsídio, de forma direta ou indireta, para as

economias destruidoras da sócio e biodiversidade brasileiras;

4. Que não sejam mais criadas Unidades de Conservação de Proteção Integral sobre

territórios tradicionais e que sejam recategorizadas as Unidades de Proteção Integral

existentes, que impactam os territórios tradicionalmente ocupados e que comprometem os

modos de vida e a sustentabilidade desses povos e comunidades;

5. Que o Estado compense os Povos e Comunidades Tradicionais por prejuízos resultantes

de esbulho de seus territórios tradicionais, danos ambientais, bem como pela preservação

de ecossistemas e biomas como guardiões da biodiversidade;

6. Que nenhuma obra ou empreendimento seja implementado em território tradicional sem o

consentimento prévio dos Povos e Comunidades Tradicionais historicamente ocupantes;

7. Que o Estado brasileiro tome providências no sentido de assegurar os direitos territoriais, a

partir da aprovação de projetos de lei em curso, construção de dispositivos, instruções

normativas, itinerários técnicos e garantias de sustentabilidade produtiva e territorial para

os Povos e Comunidades Tradicionais;

8. Que seja efetivada a Lei no 21.147, de 14 de Janeiro de 2014, que institui a Política

Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais em

Minas Gerais, bem como criada instância de controle social ou Comissão de caráter

paritário e deliberativo, composta por representantes do poder público e dos povos e das

comunidades tradicionais, prevista no seu art. 8°.

9. Que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal elaborem uma legislação que

reconheça e proteja os territórios das Comunidades Tradicionais.

3

Demandamos especificamente:

1. Implementação imediata da RDS Nascentes dos Gerais, localizada nos municípios de

Montezuma, Rio Pardo de Minas e Vargem Grande do Rio Pardo;

2. Atendimento às reivindicações de Povos e Comunidades Tradicionais pelo MMA/ICMBio,

de criação ou regularização fundiária de reservas extrativistas (RESEX) e de

desenvolvimento sustentável (RDS), nos biomas: Cerrado: Resex Sempre Viva,

Lassance/MG; Resex Serra do Múquem, Corinto/MG; Resex Barra do Pacuí, Ibiaí/MG;

Resex Três Riachos, Santa Fé de Minas/MG; RDS / Resex Serra do Alemão,

Buritizeiro/MG;- Resex Curumataí, Buenopólis/MG; e o decreto de criação das RDS

Tamanduá/Poções, Riacho dos Machados/MG;

3. Reconhecimento e demarcação do território das Comunidades Tradicionais, com

prioridade para o caso de grupos ameaçados pela mineração e por grandes empresas do

complexo siderúrgico de Minas Gerais, como ocorrem no território tradicional das

comunidades geraizeiras da região do Alto Rio Pardo, Grão Mogol (Vale das Cancelas),

Riacho dos Machados, Rubelita, Fruta de Leite e Novo Horizonte;

4. Publicação imediata do decreto de ampliação da TI Xakriabá e sua imediata homologação;

5. Criação imediata do grupo de trabalho de identificação e delimitação do Território Indígena

Xakriabá de Cocos-BA;

6. Regularização dos Territórios de Comunidades Tradicionais de Apanhadoras(es) de Flores

Sempre-vivas que estão sendo expropriadas, principalmente por Unidades de

Conservação de Proteção Integral (Federais e Estaduais), mas, também, por

Empreendimentos Minerários e de Plantios de Eucalipto, em que está inserido o Mosaico

de Unidades de Conservação da Serra do Espinhaço – Região de Diamantina, Minas

Gerais. No caso específico, a recategorização imediata do Parque Nacional das Sempre-
vivas como Reserva de Desenvolvimento Sustentável – RDS;

7. Regulamentação da Atividade do Extrativismo das Flores e outros Produtos Vegetais Não

Madeireiros (extração, manejo e comercialização);

8. Agilidade nos processos de desapropriação visando a desintrusão de fazendeiros nos

territórios quilombolas, como no caso do quilombo de Gurutuba (MG), e demarcação dos

territórios quilombolas de Vargem do Inhaí e Mata dos Crioulos em Diamantina – MG.

9. Emissão imediata da Certidão de auto-declaração como comunidade quilombola à

Comunidade de Raiz, município de Presidente Kubitschek – MG, pela Fundação Cultural

Palmares;

10. Reconhecimento e regularização de territórios de comunidades vazanteiras do São

Francisco através de ações conjuntas envolvendo a SPU – IEF – INCRA, com o imediato

encaminhamento, para a Assembleia Legislativa, do projeto lei que diz respeito à

desafetação das áreas que fazem parte do território das Comunidades Vazanteiras do Pau

4

Preto (Parque Estadual Verde Grande-Matias Cardoso) e Pau de Légua (Parque Estadual

da Mata Seca-Manga), Norte de Minas Gerais;

11. Suspensão da ampliação do Parque Estadual do Peruaçu e transformação da área

pretendida como Reserva de Desenvolvimento Sustentável;

12. Manutenção da paralisação da Barragem do Berizal até que seja executado um Plano

Nacional de Revitalização da Bacia do Rio Pardo, nos estados de Minas Gerais e Bahia,

garantindo a recuperação das áreas de recarga, nascentes e ribeirões que formam este

importante rio brasileiro nos municípios da região do Alto Rio Pardo;

13. Suspensão dos processos de licenciamento de PCHs na bacia do Rio Carinhanha, nos

estados de Minas Gerais e Bahia;

14. Que o Estado não seja omisso nos conflitos territoriais, como nos casos de Brejo dos

Crioulos, Gurutuba, Ilha da Capivara, Parques estaduais e federais; e a criminalização

ocorrida com o movimento geraizeiro e sua liderança Orlando dos Santos;

15. Que seja imediatamente suspensa a tramitação no Senado Federal da PEC 53, que

propõe revogar o inciso VII do Art. 20 da Constituição Federal e o parágrafo 3 do Art. 49

dos Atos das Disposições Transitórias, propondo extinguir o instituto do terreno de

marinha, uma vez que abre brechas para titulação de terras griladas por grandes

fazendeiros e empresários;

16. Garantir recursos para que a SPU de Minas Gerais possa estabelecer convênio com as

instituições de pesquisa que atuam na região (UNIMONTES, UFVJM, UFMG), no sentido

de aprimorar ainda mais a metodologia de demarcação dos terrenos marginais, visando à

defesa de contestações técnicas e a execução compartilhada do projeto de demarcação

do rio São Francisco no Norte de Minas;

17. Incluir nos estudos e relatórios de demarcação o perfil antropológico e/ou socioambiental

das comunidades tradicionais beneficiadas com o Termo de Autorização de Uso

Sustentável (TAUS);

18. Acelerar os procedimentos de titulação das comunidades quilombolas já certificadas pela

Fundação Palmares priorizando o território quilombola Nativos do Arapuim, município de

Verdelândia-MG, que sofreu uma tentativa de chacina em 19 de janeiro de 2014;

19. Dar destinação constitucional às terras devolutas para fins de reforma agrária, titulação de

territórios tradicionais e criação de unidades de conservação de uso sustentável, conforme

previsto na legislação federal e estadual;

20. Acelerar a demanda de realização do laudo antropológico da comunidade quilombola de

Praia, no município de Matias Cardoso, Buriti do Meio em São Francisco e e Quilombo de

Campos em Serranópolis de Minas;

21. Verificar e dar os devidos encaminhamentos jurídicos ao processo de grilagem de terras

em território geraizeiro, nos municípios de Indaiabira e São João do Paraíso;

5

22. Que seja implementado um plano de desenvolvimento de todos os assentamentos e

assentados, contemplando ações de infraestrutura, direitos básicos e assistência técnica;

23. Fortalecimento da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), em termos de estrutura, recursos

humanos e ações indigenistas de base;

24. Que sejam punidos com rigor os assassinos e agentes agressores dos Povos e

Comunidades Tradicionais, que continuam impunes e ameaçando constantemente

lideranças e seus apoiadores.

Assinam esta carta:

1. Povos Indígenas Xakriabá de São João das Missões, Xakriabá de Cocos – BA, Krenak,

Povos Quilombolas, Comunidades Tradicionais Vazanteiras, Geraizeiras, Veredeiras,

Caatingueiras e Apanhadoras(es) de Flores Sempre-vivas

2. Articulação Rosalino de Povos e Comunidades Tradicionais do Norte de Minas

3. Conselho Nacional de Extrativistas

4. Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras

5. Movimento Geraizeiro

6. Vazanteiros em Movimento

7. Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas – CODECEX

8. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST

9. Comissão Pastoral da Terra – CPT

10. Conselho Indigenista Missionário – CIMI

11. Movimento Pastoral dos Pescadores de Pedra de Maria da Cruz – MPP

12. Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Capitão Enéias, de Rio Pardo

13. Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas – CAA\NM

14. Cáritas Diocesana de Januária

15. NIISA – Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental – UNIMONTES

16. OPARÁ – Grupo de Estudos e Pesquisas do São Francisco – UNIMONTES

17. NAC – Núcleo de Estudos em Agroecologia e Campesinato – UFVJM

18. Rede Matas Secas (Tropi Dry Brasil)

Terra Indígena Xakriabá, Aldeia Brejo Mata Fome – São João das Missões / MG, 18 de abril 2015.

placaxakriaba

O GESTA não se responsabiliza pelo conteúdo dos comentários. Usando sua conta do Facebook, você estará sujeito aos seus termos de uso e politicas de privacidade.