Lançamento do livro “Mineração na América do Sul: neoextrativismo e lutas territoriais” traz importantes debates entre pesquisadores, atingidos e ativistas ambientais

Ana Beatriz Nogueira

Na tarde desta quarta-feira, 15 de fevereiro, foi lançado o livro “Mineração na América do Sul: neoextrativismo e lutas territoriais”. Organizada por Andréa Zhouri, Paola Bolados e Edna Castro, a obra é uma coletânea de 15 ensaios que analisam e refletem sobre os processos de mineração, presentes nos países sul-americanos desde a colonização. Os textos foram apresentados no I Seminário Internacional Mineração na América Latina: neoextrativismo e lutas territoriais, em 2015, e agora estão reunidos em um único volume, que propõe questionamentos sobre a forma como a atividade minerária vem sendo realizada, de forma violenta e avassaladora, sob o discurso do “progresso econômico”.

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Foto: Vinícius Papatella

O lançamento, que contou com a presença de estudantes, pesquisadores, atingidos pela mineração e ativistas ambientais, no Espaço do Conhecimento UFMG, teve início com a exibição de vídeo documentário  “NAO VALE A PENA” (2016, 38min), que é um dos resultados do Projeto-Campanha ÁGUA VALE MAIS QUE MINÉRIO DE FERRO NO QUADRILÁTERO-FERRÍFERO, MINAS GERAIS. O documentário foi dirigido pelo cinegrafista Pedro de Filippis, que percorreu, juntamente com o Cientista Social Frederico Siman e o advogado e cientista socioambiental Vinícius Papatella, pouco mais de 3.000 quilômetros no Quadrilátero-Aquífero durante o ano de 2016, para colher depoimentos de pessoas e grupos que cotidianamente, convivem com ameaças e violações de direitos em decorrência da voracidade e do modus operandi de empresas do setor da mineração. Além dos depoimentos e das imagens de minas em exploração e minas sem atividade, de águas que brotam e levam vida, e de águas que agora levam lama, rejeito e morte, o vídeo chama atenção para o mito da empregabilidade no setor e seus efeitos no turismo, na produção alimentar e no acesso e disponibilidade das águas, fonte da vida.

A professora Andréa Zhouri, coordenadora do Gesta/UFMG, abriu a mesa redonda que teve início em seguida, contando com a participação de Maria Teresa Corujo (Teca), educadora ambiental e representante do Movimento pelas Serras e Águas de Minas, Patrícia Generoso Guerra, atingida pela mineração em Conceição do Mato Dentro e membro da Reaja (Rede de Articulação e Justiça dos Atingidos do Projeto Minas-Rio), e Marcos Zucarelli, pesquisador do Gesta.

Andréa, ao falar sobre as relações estabelecidas pela Mineração pautada pelo mercado de commodities, ressaltou a urgente necessidade de se considerar em todas as reflexões e ações acerca da temática, as pessoas que vivem NOS lugares, atingidas diretamente pela atividade minerária, que, segundo ela, não deve ser pensada como algo inexorável, necessário e natural, mas sim, fruto de processos e escolhas históricas e políticas. Escolhas tais que revelam a profunda violência que é intrínseca à mineração como vem sendo realizada nos países da América Latina, onde os mais afetados são os povos campesinos, tradicionais e outros grupos étnicos, que vem sendo exterminados, “extraídos”, “subtraídos” e “amputados” de diversas formas pela Mineração.

Trata-se de uma luta assimétrica e desigual, onde o Estado ocupa um papel central, não de forma omissa, como costuma-se afirmar, mas como partícipe do processo violento de desterritorialização provocado pela atividade, e responsável pelo extremo sofrimento social dos grupos que ocupam as chamadas “zonas de sacrifício”.

Maria Teresa, que participou como co-autora de um dos capítulos do livro, fala sobre o desafio proposto: “como colocar no papel anos de vivência, que envolvem um grande conjunto de pessoas, suas lutas, sua indignação?”. Ela ressalta a urgente necessidade de uma mudança de paradigma na forma com que a Mineração é realizada. Mudança que envolve inclusive o repensar a “necessidade” e a viabilidade da atividade, considerando a intensidade e gravidade das perdas e o ônus, pago pela sociedade, enquanto o lucro concentra-se nas mãos de acionistas. Para ela, enfrentamos atualmente um momento assustador, que exige o fortalecimento das lutas e resistências por parte dos movimentos sociais, pesquisadores, atingidos. A despeito dos desastres dos últimos anos e das evidências de crimes ambientais e sociais, o Estado continua a pautar e licenciar obras minerárias, inclusive de alto risco, vulnerabilizando populações.

Na sequência, Patrícia Generoso, que também participa da escrita de um dos capítulos, fala sobre o processo de aprendizado junto aos atingidos pela mineração em Conceição do Mato Dentro. Para ela, os empreendimentos minerários e seus processos de licenciamento ao longos de anos exige, de forma dolorosa e desgastante, que as populações atingidas aprendam a enfrentar as assimetrias e desigualdade de poder e a ter forças para lutar contra a extrema violência desses processos. Esse aprendizado, somado ao vínculo com o lugar (NO lugar) produz um conhecimento não acadêmico, mas não menos importante e real, que deve ser compartilhado, no intuito de somar forças entre os diversos povos que enfrentam a mesma luta. Para Patrícia, que teve viu no desastre em Mariana mais uma motivação para esse compartilhamento de saberes e lutas, entende que esses encontros, em meio a tantos desencontros e rupturas, fortalecem o movimento como um todo.

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Foto: Ana Beatriz Nogueira

Marcos Zucarelli, que participou da escrita de dois capítulos, fala sobre a trajetória do Gesta e dos diversos parceiros envolvidos na escrita do livro, que é uma obra coletiva, uma produção de conhecimento compartilhado entre acadêmicos e não acadêmicos. Marcos fala sobre o desastre da Samarco, que vem acompanhando em sua pesquisa, e sobre a recorrência da violência e do modelo do processo de mineração nos países da América Latina. Ele faz uma reflexão sobre a figura da mesa de negociação, carregada de assimetrias e desigualdades, onde pessoas em sua maioria camponeses que até então viviam da terra, tendo profundo conhecimento sobre ela, são obrigadas a enfrentar representantes das empresas, com seus relatórios e argumentos “técnicos e jurídicos” (a serviço do poder econômico). Além dessa assimetria de forças, há um processo de ressignificação cruel dos termos, onde uma empresa criminosa, assim como suas vítimas, se transformam em “partes interessadas”, e onde reparações (pequenas) dos danos causados às pessoas atingidas são tratados como “benefícios”. Enquanto vítimas do desastre sociotécnico da mineradora Samarco (Vale/BHP) são culpabilizadas pela população de Mariana, o que reflete essas deturpações e violências da empresa, as vítimas reivindicam, dentre outras coisas, o simples direito ao reconhecimento como atingidos.

O livro “Mineração na América do Sul: neoextrativismo e lutas territoriais”, da editora Annablume, em breve estará disponível para venda online.


Mais informações pelo email: gesta@fafich.ufmg.br

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Foto: Ana Beatriz Nogueira

 

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