Mineradoras querem rediscutir código. Doações do setor ajudaram a eleger 180 parlamentares

Diante da queda do preço internacional dos minérios, em especial do ferro, que despencou de US$ 134 a tonelada em dezembro de 2013 para US$ 81 na média de outubro deste ano, as mineradoras querem rediscutir o projeto de lei do novo Código da Mineração na Câmara dos Deputados. A negociação, aliada à provável troca do ministro de Minas e Energia e a impasses no texto atual, deve empurrar a votação da proposta para o próximo ano.

A reportagem é de Raphael Di Cunto, publicada pelo jornal Valor, 24-11-2014.

Segundo o Valor apurou com deputados e empresários, as mineradoras têm demonstrado preocupação com o aumento da alíquota da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (Cfem) para parte dos minérios. No caso do ferro, por exemplo, a taxa, hoje de 2% do faturamento líquido das empresas, seria de 4% do faturamento bruto. A tributação sobre o ouro, que perdeu 32% de seu valor desde agosto de 2012, passaria de 1% da receita líquida com a venda para 2% da bruta.

Por outro lado, o relatório de Quintão prevê redução dos tributos sobre os minerais usados na construção civil, como a areia, e um desconto de 50% na alíquota caso o mineral seja industrializado no país, para estimular a indústria nacional.

Prefeito de Mariana e presidente da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais (Amig), Celso Cota(PSDB) acusa o “lobby das mineradoras” de segurar o projeto. “Não estamos falando em novos impostos, estamos falando em divisão dos lucros das empresas”, diz. “Os preços deste mercado são muito dinâmicos e depois de um tempo recupera. Só não podemos esperar até isso ocorrer”, afirma.

Com a redução do preço dos minérios, a receita acompanhou a queda. A arrecadação da Cfem, que atingiu R$ 2,3 bilhões em 2013, com média mensal de R$ 197,9 milhões, caiu a R$ 145,3 milhões por mês este ano – queda de 26,5%. O valor é dividido entre a União (12%), Estado onde foi extraído o minério (23%) e município produtor (65%). Em Mariana, cidade do presidente da Amig, a redução foi de R$ 2 milhões por mês.

O relator do código, deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), diz que sua intenção é votar até o fim do ano, mas que o setor teria entrado em contato com integrantes da comissão para pedir mais discussões sobre a proposta. “As empresas querem expor o cenário atual, que é bem preocupante, e discutir como essa nova lei vai impactar em um momento de crise”, afirma. “Amanhã vou colocar para a comissão decidir.”

O governo queria estabelecer as alíquotas da Cfem por decreto para poder modificar o percentual dependendo do preço das commodities minerais, que é bem variável. Prefeitos e governadores dependentes dessa compensação, porém, pressionaram para que a lei já contasse com o valor das taxas para terem mais previsibilidade sobre suas receitas. Parte dos empresas também defende a inclusão na lei, com receio de uma “canetada” do governo para arrecadar mais, mas não há consenso nesse tema.

Com esse impasse, ganha força a discussão de que a lei estabeleça uma margem, dentro da qual o governo poderá modular por decreto as alíquotas. “Não há consenso nem solução pronta, mas essa sugestão da banda eu gostei muito, é mais condizente com o dinamismo dos preços do setor”, afirma o deputado Gabriel Guimarães (PT-MG), presidente da comissão que discute o código.

O grupo que discute o código está parado há sete meses devido ao período eleitoral. Quintão quer aprovar esta semana requerimento para realização de duas audiências públicas para discutir o novo cenário e ouvir o posicionamento de prefeitos e empresários. Os governadores eleitos, como Fernando Pimentel (PT), em Minas Gerais, teriam demonstrado interesse em opinar.

Um empresário ouvido pelo Valor, contudo, diz que não há interesse das empresas em aprovar o texto agora, que causaria aumento na carga tributária em um momento de queda de receita, e que o projeto também não é mais prioridade para o governo até o fim do ano – o Executivo está mais preocupado em alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para fechar as contas.

Sete integrantes da comissão ouvidos pelo Valor também confirmaram a dificuldade de votar o texto no colegiado nesta legislatura. Restam menos de quatro semanas até o recesso e não há acordo sobre pontos centrais – além da alíquota, de quem é o direito de exploração das jazidas descobertas e o montante de recursos da futura Agência Nacional de Mineração, que substituiria o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).

“As posições ficaram um pouco radicais e não estamos nem próximos de um consenso que permita votar”, diz o deputado Beto Faro (PT-PA). “Teremos que discutir de novo. O cenário brasileiro é muito diferente do de quatro ou cinco meses atrás, quando o relatório foi apresentado, e vários fatores se alteraram. Não podemos aprovar um projeto que quebre as mineradoras ou perdemos empregos e receita”, defende o deputado Marcos Montes (PSD-MG).

“Sobre a questão da taxação, estamos noutro momento. Eu acho que temos que repensar os percentuais”, disse ele, que elogiou o trabalho do deputado Quintão ao ouvir diversas opiniões, segundo o executivo, para elaborar o texto do projeto. Mas com os preços achatados, o que foi discutido não cabe mais.

“Na minha opinião, os percentuais têm de ser revistos. O que se discutiu era uma taxação entre 2% e 4% da base bruta de vendas. Era num ambiente tal e agora estamos em outro ambiente.”

A Anglo American fez em outubro seu primeiro embarque de minério de ferro do sistema Minas-Rio, um projeto de US$ 8,8 bilhões que passou por várias dificuldades, atrasos nas obras e aumento de custos. O minério sai da região de Conceição do Mato Dentro (MG) e é levado por um extenso mineroduto até o Porto do Açu, em São João da Barra (RJ).

Para o executivo, outra discussão necessária, porém, admite ele, mais difícil, é a redução da carga tributária em geral. Mas o projeto do código mineral já produziria, na sua opinião, muitos avanços.

Doações do setor ajudaram a eleger 180 parlamentares

Mesmo com as receitas em queda, o setor de mineração e metalurgia manteve-se como um dos mais ativos na campanha eleitoral deste ano e despendeu R$ 47,7 milhões para ajudar 166 dos 513 deputados federais e 14 dos 27 senadores eleitos em outubro, mostra levantamento do Valor nas prestações de contas entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O setor mineral é um tradicional doador de campanhas eleitorais e tem especial interesse nas discussões do Legislativo a partir de 2015. O atual Código de Mineração data de 1967 e desde o fim do governo Lula é debatida uma atualização das normas. Em 2013, a presidente Dilma Rousseff encaminhou proposta sobre o tema, mas não houve acordo entre os envolvidos e a votação deve ficar para o próximo mandato.

 Não por acaso, sete dos dez deputados eleitos que mais receberam verbas do setor ocupam hoje assento na comissão especial da Câmara que discute o novo marco legal do setor. Os outros três são César Souza (PSD-SC), que não é deputado atualmente, Iracema Portela (PP-PI), esposa do presidente nacional do PP, e Jutahy Magalhães Júnior (PSDB-BA), próximo ao setor e que tem vaga em outra comissão de interesse das mineradoras, a que discute a proposta de emenda constitucional (PEC) que determina a incidência de ICMS na exportação de minerais.

A lista é liderada por Guilherme Mussi (PP-SP), que recebeu R$ 3,1 milhões da Indústrias Brasileiras de Artigos Refratários (Ibar), empresa de sua família que atua nos ramo de metalurgia. O pepista, um dos integrantes da comissão do novo código da mineração, declarou ainda doação de R$ 250 mil da Vale.

Em seguida estão o relator do código de mineração, Leonardo Quintão (PMDB-MG), que contabilizou R$ 1,48 milhão em doações de nove empresas – a principal delas, da Vale, de R $ 700 mil – e o deputados Luiz Fernando Faria (PP-MG), que registrou R$ 1,4 milhão em contribuições de oito empresas – de novo, a maior é da Vale, de R $ 800 mil.

Na eleição para o Senado Federal, em que estavam em disputa 27 das 81 vagas – as outras só serão renovadas em 2018-, as empresas do setor doaram R$ 9,8 milhões para as campanhas de 14 eleitos. Assim que o texto do código for aprovado na Câmara dos Deputados será a vez dos senadores analisarem a matéria.

Quem mais recebeu foi a deputada Rose de Freitas (PMDB-ES), que participa da comissão do novo Código de Mineração na Câmara. Eleita senadora, ela tem como primeiro suplente um empresário do ramo: Luiz Pastore(PMDB), dono da Copper Trading, que deu R$ 1,2 milhão para a pemedebista. Rose, que arrecadou R$ 2,9 milhões do setor, recebeu ainda da Indústria Brasileira de Metais (Ibrame), Bramagran Mármores e Granitos e Vale.

Rose foi seguida por dois tucanos no ranking de arrecadação: os ex-governadores de Minas Gerais Antônio Anastasia e de São Paulo José Serra. Em ambos os casos, a Vale, que distribuiu dinheiro por meio de seis empresas do grupo, foi a maior doadora entre as empresas do setor.

A Vale, maior companhia de mineração do país, é também a que mais contribui com campanhas eleitorais este ano. Distribuiu R$ 21,1 milhões para 109 deputados e senadores eleitos, mais do que as grandes empreiteiras, empresas de bebidas e bancos brasileiros, outros setores bastante procurados pelos parlamentares na época da eleição.

Também se destacaram nas doações a ArcelorMittal, que contribuiu com a eleição de 32 congressistas, a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), que repassou dinheiro para 28 parlamentares, e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que doou para 26 deputados e senadores eleitos. São bancadas maiores, por exemplo, que as de partidos tradicionais como DEM, PDT e PCdoB.

Fonte:http://www.ihu.unisinos.br/

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