Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM) publica e-book gratuito “Dossiê-denúncia: ameaças e violações ao direito humano à água no Quadrilátero Ferrífero Aquífero de Minas Gerais”

https://aguasdogandarela.org.br/

“Após três anos do rompimento da Barragem de Fundão, em 05/11/2018, o Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM), disponibiliza para download gratuito, em formato e-book, o Dossiê-denúncia: ameaças e violações ao direito humano à água no Quadrilátero Ferrífero Aquífero de Minas Gerais, documento que foi entregue ao Relator do Direito Humano à Água Segura e Esgotamento Sanitário da ONU, Prof. Léo Heller, em 04/11/2016.

Desde então, passou por um processo de edição dos mapas e refinamento da linguagem, tirando-o do lugar de texto corrido e permitindo sua manipulação lúdica que, para além da estética, são criadoras de sentido e caminhos dentro da leitura.

De onde surgiu a ideia de um dossiê-denúncia sobre esse tema?

O Dossiê-denúncia e também o documentário ´Não Vale a Pena´, com duração de 38 minutos e acessível através do link https://www.youtube.com/watch?v=_hu9Sb3yYKY, é uma das realizações e resultados do Projeto Campanha Água Vale Mais do que Minério no Quadrilátero Ferrífero/MG, apoiado desde agosto de 2015 pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos. O objetivo foi contribuir com informações e conceitos sobre a situação da água frente à mineração nesse território.

Neste período foram realizadas conversas com moradores, militantes e/ou lideranças nas localidades visitadas, pesquisas de campo e trabalho com história oral que buscaram compreender as formas como a violação ao direito à água pela mineração vem se dando ao longo do tempo e como isso inviabiliza outras formas de vida; organização e realização dos atos em Belo Horizonte por ocasião dos 365 dias do rompimento da Barragem do Fundão, cabendo ressaltar a realização do evento “[RE]JEITO o dia que já dura um ano”, que ocorreu durante dois dias em frente ao Memorial da Vale, na Praça da Liberdade em Belo Horizonte; criação de mídias sociais e produção periódica de conteúdos, edição de jornal e confecção de banner “Água Vale Mais que Minério”.

O projeto também apoiou a gravação e impressão de 150 DVD-Rs para o Curso “Contexto Ambiental de Rio Acima” oferecido pelo Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela aos professores da rede pública daquele município, em outubro de 2016. O curso se tornou necessário para fazer um contraponto aos conteúdos para ´´formação´´ apresentados pela empresa Vale aos mesmos professores – como se sabe, a empresa continua interessada em fazer um projeto de mineração na Serra do Gandarela, Santuário Natural pelo qual temos lutado. Esse fato também motivou o projeto a viabilizar a produção do panfleto “Serra do Gandarela: o que a Vale anda aprontando?”.

Porque água e mineração?

A constatação de que as formações ferríferas do Quadrilátero de Minas são os mais importantes aquíferos neste domínio metropolitano remonta aos anos 80/90, quando também se destacou a importância das jazidas de minério de ferro inertes para a preservação da qualidade da água e das suas condições de recarga e armazenamento subterrâneo.

Desde os anos 2000, grupos da sociedade civil e núcleos de pesquisa e extensão universitária têm se atentado para consequências espaciais, distributivas e territoriais de projetos de mineração, enquanto atual base do modelo de desenvolvimento econômico em Minas Gerais. Afinal, cabe questionar: Como estão fazendo o que estão fazendo? À custa de quem e de quê? Para quê, e para quem?

E o Movimento pelas Serras e Águas de Minas?

Criado em 2008, o MovSAM tem como missão atuar de forma independente frente à hegemonia da mineração e seus impactos às serras e às águas de Minas Gerais, articulando ações comuns que agreguem e fortaleçam cada um dos grupos que fazem o enfrentamento à mineração, no estado, divulgando o máximo possível a causa, acompanhando de perto as lutas (quando e do jeito que dá), dando visibilidade aos problemas e conquistas, possibilitando cada vez mais a troca de experiências e a ajuda mútua.

O acúmulo sistemático de informações sobre territórios impactados ou ameaçados pela mineração nesta região, há tempos revela a máxima urgência em se dar maior visibilidade às ameaças e violações aos direitos humanos e direitos fundamentais de comunidades, famílias e pessoas que vivem e convivem com a mineração ou mesmo com a incerteza de sua chegada, seja por via de novos empreendimentos ou pela expansão dos já existentes.

De outra forma, dada a proximidade do Quadrilátero da terceira maior região metropolitana do país (seis milhões de habitantes), temos demonstrado que as implicações do que aqui se faz ou se deixa de fazer repercutem na sustentabilidade, na segurança hídrica e nas perspectivas de lazer e fruição do território por toda esta população. Além das ameaças aos nossos bens comuns, valorosos por si só, como nossas serras e águas.

Como foi o contato de vocês com o Relator da ONU para a pasta?

Em maio de 2015, integrantes do MovSAM e da REAJA/CMD reuniram-se em Belo Horizonte com o Prof. Léo Heller, Relator do Direito Humano à Água segura e Esgotamento Sanitário da ONU, para tratar dos impactos aos recursos hídricos causados pela mineração de ferro e pelas estruturas associadas a estes empreendimentos. Procuramos alertar para o fato de que os impactos vão além da contaminação ambiental, das interferências no consumo e das degradações paisagísticas e que afetam severamente a biodiversidade. Em outras palavras, destacamos que é urgente considerar que os impactos nos aquíferos e nos sistemas geoferruginosos de que fazem parte são irreversíveis e que isso trará sérias consequências para o fornecimento e a qualidade de água a ser tratada e distribuída para toda esta população, o que é agravado pelas situações a cada ano mais frequentes de escassez hídrica.

Em que pese a oportunidade de assimilação de como funciona esta pasta da ONU e a sugestão para concentrar a questão na Serra do Gandarela no âmbito do campo ambiental – ´´para ter um foco´´ -, ponderou-se naquela época que seria fundamental que a coalizão de organizações da ONU, chamada ONU Água, considerasse como situações de ameaças e violações do direito humano à água também ao longo da Bacia do Rio Santo Antônio – um dos principais afluentes do Rio Doce -, na região de Grão Mogol, no Norte de Minas, no município de Paracatu e arredores, porque são muitas as regiões impactadas pela mineração no Estado com graves repercussões sobre o direito humano à água, e não só no direito ao meio ambiente equilibrado.

Um dos desafios é entendermos que não se trata de um caso ou outro específico de falta d´água que causa violação, mas que da junção das peças Mineração, Quadrilátero Ferrífero e Aquíferos as violações são bastante evidentes. Dessa reunião, o MovSAM comprometeu-se em apoiar a elaboração de um memorial técnico para a realização de um estudo sobre a mineração no Brasil e mais especificamente, entregar ao Relator da pasta um documento sobre a Serra do Gandarela e a Bacia do Rio Santo Antônio e a relação das atividades de mineração com a violação do direito humano à água.

E como foi a atuação após esse encontro ?
Em agosto de 2015, por intermédio da Rede REAJA, o MovSAM foi procurado pelo Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular, de Belo Horizonte, que solicitou auxilio para uma compreensão conceitual inicial sobre o direito humano à água e para que compartilhássemos a concepção estrutural do documento concebido como um Dossiê-denúncia, para então, problematizarem a mineração do Projeto Minas-Rio sob o viés das ameaças e violações ao direito humano à água. Desse modo, o Projeto Assessoria Jurídica Popular aos Territórios Atingidos pela Mineração: violações ao direito humano à água em comunidades afetadas pelo Projeto Minas-Rio em Conceição do Mato Dentro, Minas Gerais, apoiado pelo Fundo Socioambiental CASA, foi executado pelo Coletivo Margarida Alves e pela Comissão Pastoral da Terra, resultando também em um Dossiê-denúncia divulgado em 2017.

No caso do Projeto executado pelo MovSAM, a Campanha Água Vale Mais do que Minério no Quadrilátero Ferrífero/MG, foram dezenas de pessoas, movimentos e organizações que receberam, guiaram e subsidiaram a equipe de campo. Boa parte das informações trazidas no Dossiê, em especial nos estudos de caso, são saberes produzidos por integrantes do Movimento Abrace a Serra da Moeda; Instituto Aqua XXI; Associação do Patrimônio Histórico, Artístico e Ambiental de Belo Vale (APHAA-BV); Brigadas Populares; Movimento pelas Águas e Serras de Casa Branca; Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela; Observatório de Conflictos Mineros de America Latina (OCMAL); Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ibirité e União Ambientalista de Itabirito (UAI); União das Associações Comunitárias de Congonhas (Unaccon).

Após a entrega do Dossiê-Denúncia ao Relator da pasta na ONU, em novembro de 2016, apresentamos o material para o idealizador da Diacrítico Projeto, Ateliê e Editora Rolante, que propõe um ateliê colaborativo operando através da Economia Solidária pretendendo assim a circulação e a produção de um circuito de arte fora do circuito hegemônico. Por também pesquisar desenho, artes e a destruição enquanto paisagem, abraçou a ideia do MovSAM e aplicou técnicas para alfabetização visual do material, tirando-o do lugar de texto corrido para um livro-objeto, em formato quadrado e lúdico para manipular. Foram decisões que para além da estética, e no seu conjunto, são criadoras de sentidos e caminhos dentro da leitura e das lutas travadas nos territórios e fóruns públicos.

Sabemos que outros segmentos da atividade também impactam a região do Quadrilátero na questão da água. Vocês abordam estas situações no Dossiê-denúncia?

Apesar desse acúmulo, o MovSAM percebe que o atributo aquífero do Quadrilátero vem sendo relegado a último plano pelas autoridades que orbitam os Licenciamentos Ambiental e Urbanístico, se considerarmos caso recente envolvendo a CSul, um empreendimento que prevê a instalação de uma cidade de cerca de 200 mil habitantes na região da Lagoa dos Ingleses. É também o caso da sobre-exploração de água pela Coca-Cola, nas proximidades do Projeto CSul. Mas os danos da mineração são bem mais significativos no vetor Sul da RMBH, quer na Bacia do Rio das Velhas, como na Bacia do Rio Paraopeba – com um diferencial muito relevante: no caso da mineração, os danos qualitativos são irreversíveis, pois profundos – removem todos os interstícios dos aquíferos e com isso alteram sua natureza qualitativa, de fluxo e tempo de recarga e descarga.

E como se deu a gravação do filme e os registros para o Dossiê-denúncia?
Durante a Campanha Água Vale Mais do que Minério no Quadrilátero Ferrífero/MG, a equipe formada por três membros do projeto, sendo um documentarista, um cientista social e um advogado, percorreu 3.000 km, visitando famílias e comunidades de 14 distritos em Barão de Cocais, Belo Vale, Brumadinho, Catas Altas, Congonhas, Ibirité, Itabirito, Mariana, Nova Lima, Raposos, Rio Acima, Sabará, Santa Bárbara e Sarzedo. Em cada encontro, uma entrevista foi conduzida a fim de responder questões pertinentes a três áreas representadas, como violações aos direitos e depredações de patrimônio e relações socioculturais, simultaneamente sendo registradas para a construção de um material de apoio as denúncias que dê voz aos protagonistas.

Entre as denúncias registradas, situações de ameaça e violações de seus direitos, sobretudo, em relação à água para usos pessoais e domésticos, que incluem habitualmente a ingestão, o saneamento e higiene pessoal e do lar, o manejo da produção agrícola, a preparação de refeições e a lavagem de roupa. Mas também outras situações que envolvem cor, odor, sabor e o acesso físico.

Para muitas dessas pessoas, as atividades de mineração previstas ou em operação no QFA-MG causam a precarização das condições de vida e do exercício de direitos e da cidadania, expressas, sobretudo, na proximidade das estruturas principais (cavas, barragens de rejeito e pilhas de estéril) ou acessórias (vias de acesso, instalações de beneficiamento, alojamentos) e na qualidade e quantidade das águas que fluem nas Bacias Hidrográficas dos Rios Paraopeba, Velhas e Doce, dentre outras situações inimagináveis para quem nunca se questionou sobre qual é a escala e os efeitos da mineração secular nesse território central do Estado.

Como é a estrutura deste Dossiê-denúncia?
Considerando a missão do MovSAM de também articular ações comuns que agreguem e fortaleçam a popularização e assimilação desse conhecimento, a sua parte inicial é dedicada aos aspectos técnicos do QFA-MG, um dos três representantes dos chamados Geossistemas Ferruginosos em Minas, e considerado como um dos ambientes naturais mais singulares e importantes da superfície terrestre.

Além da sua localização e características geológicas e hidrogeológicas, é dado destaque às singularidades da Serra do Gandarela, com áreas de conformação geológica única, endemismos de fauna e flora, que abrigam importantes mananciais de abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), que necessita um olhar mais responsável para com a preservação dos nossos fundamentais recursos hídricos, sejam eles superficiais (rios e lagos), sejam eles subterrâneos (aquíferos). As diversas e numerosas situações de violações de direito humano à água, registradas numa perspectiva histórica, são apresentadas a partir das delimitações municipais visitadas ao longo da campanha. Os mapas são frequentes ao longo do documento devido às possibilidades de assimilação pelo leitor do conteúdo técnico relacionado.

Após dedicar-se às ameaças ao Geossistema Hidroferruginoso do QFA-MG e à Segurança Hídrica da RMBH e de seu colar, o Dossiê-denúncia apresenta uma espécie de ficha de registro de situações de ameaças e violações por localidade visitada.

Os conhecimentos geológicos explicitados no documento, além da tentativa de popularização da ciência, problematizam de forma contundente o simbolismo criado em torno da ideia de quadrilátero ferrífero, que cada vez mais serve aos interesses de uma parcela mínima da população que se apropria da maior parte da riqueza que é gerada pelo degradante e excludente modelo de exploração minerária.

A urgência de se assumir o debate público sobre a manutenção ou não da exploração minerária na região e os perigos que a má utilização e o cercamento das águas está causando no presente, traz à questão do direito humano à água na sua interface com a saúde pública, confirmando que este recurso natural escasso e finito deve ser um direito e não um privilégio.

A relação entre a água e a mineração de ferro é um tema constituído e constituinte de perdas patrimoniais, culturais e ambientais irreversíveis, irrecompensáveis e incomensuráveis, agravadas em curtíssimos prazos. Uma problemática de alta indagação popular e jurídica não só pelos seus efeitos, mas também por relacionar-se ao debate pela democratização do acesso e controle social dos recursos minerais no país. As diversas formas de controle e domínio territoriais exercidas pelas mineradoras no QFA-MG se traduzem na apropriação privada de bens comuns.

É uma questão de escolha da sociedade belo-horizontina e da região metropolitana, porém, numa correlação de forças extremamente assimétrica.”

Fonte e mais informações: https://aguasdogandarela.org.br/dossie-denuncia-ameacas-e-violacoes-ao-direito-humano-a-agua-no-quadrilatero-ferrifero-aquifero-de-minas-gerais/

Download: https://aguasdogandarela.org.br/?smd_process_download=1&download_id=320

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