DA TERRA ARADA À TERRA ARRASADA Um estudo sobre a lógica costumeira das relações de terra e trabalho e a luta por direitos do campesinato de Conceição do Mato Dentro – MG

O campesinato situado na zona rural de Conceição do Mato DentroMG é construído sobre diferentes regimes possessórios, que variam de acordo com as trajetórias familiares, confeccionando um campesinato heterogêneo. As formas de uso e ocupação das terras pelos lavradores foram, historicamente, mediadas pelas relações de agregação e parceria constituídas com os fazendeiros locais ao longo dos anos, as quais estão tecidas sob uma complexa trama de favores, dons e obrigações. Nesta dissertação, busco observar a trajetória social do campesinato em apreço à luz das relações de terra e trabalho e das práticas sociais estabelecidas no interior das fazendasa partir da narrativa e memória de quatro famílias. Em resposta aos contextos sociais, políticos e econômicos que vão se fundando com o tempo, o conteúdo das relações sociais entre os agentes nesse cenário passa por transições graduais, através de um processo prolongado e descontínuo de mudança,desenrolando-se de maneira acelerada ou arrastada no tempo. As transformações não ocorrem da mesma maneira e intensidade para todas as famílias e comunidades e, assim, a etnografia do particular(Abu Lughod, 2018), que aqui trago, permite examinar os variados graus de autonomia e as respostas produzidas pelas frações camponesas para se manterem na terra. Argumento que a relação de patronagem é circunscrita por laços de solidariedade, mas também por laços de autoridade e subordinação, o que marca o equilíbrio dinâmico característico das relações ali historicamente estabelecidas (Carvalhosa, 2016). Sugiro que essa característica foi o que manteve sólida a relação entre lavradores e patrões até os dias atuais, embora tenha passado por diversas reconfigurações no decorrer do tempo. Todavia, um dos contextos que provoca uma ruptura nos padrões costumeiros de uso da terra e expropria os lavradores é a chegada do empreendimento minerário Minas-Rio, pertencente à transnacional Anglo American. As estratégias de aquisições fundiárias acionadas pelo empreendedor ignoram, severamente, a principal característica desse campesinato: o uso subordinado da terra. Ocorre, desse modo, a desestruturação das redes de relações sociais e dos vínculos com a terra e o território, tornando impraticável o modo de produção de reprodução social das famílias, inviabilizando a própria condição de existência. A desconstituição da noção de posse como forma social de ocupação da terra, o não reconhecimento dos códigos culturais imbricados às dinâmicas socioambientais, a expropriação do campesinato e o deslocamento in situ(Feldmann, 2003) desencadeiam um violento processo de terra arrasada (Santos, 2014). A pesquisa pretende, portanto, a partir do corpo etnográfico que compõe este trabalho, contribuir para o entendimento das estratégias de produção, reprodução e manutenção do patrimônio familiar e das soluções históricas produzidas para a construção da resistência dos lavradores na defesa dos costumes e do direito à terra.

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