NOTA DE PESAR E SOLIDARIEDADE DO GESTA-UFMG ÀS VÍTIMAS DO DESASTRE DA VALE EM BRUMADINHO E AO POVO MINEIRO

 

O GESTA-UFMG vem manifestar seu pesar e sua solidariedade às vítimas e à toda população mineira perplexa pelo rompimento de mais uma barragem de rejeitos da mineradora Vale. Triste e criminosa catástrofe que ceifa vidas em Brumadinho e que, por sua recorrência em Minas Gerais, revela as falhas de um modelo de governança ambiental, sobretudo aquela relacionada às práticas do neoextrativismo. Entenda-se por governança todo o campo que envolve a regulação ambiental (normas, leis, instituições), mas também as práticas que operacionalizam tais normativas.

O GESTA-UFMG, juntamente com outros grupos acadêmicos, vem ao longo dos anos realizando pesquisas e atividades extensionistas no contexto do licenciamento de grandes obras e suas conseqüências para os moradores que vivem nas localidades onde essas estruturas são instaladas e operadas. Ao longo dessa trajetória, como servidores públicos da área de educação e ciência, procuramos produzir e publicizar conhecimento qualificado nessa seara, seja na forma de publicações científicas, seja em matérias veiculadas em jornais de ampla circulação, ou ainda em diferentes fóruns, tais como audiências públicas, seminários, cartilhas, reuniões diversas. A título de exemplo, em 2014 elaboramos uma carta endereçada ao ex-governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel. A carta foi assinada conjuntamente com outros grupos de pesquisa atuantes em Minas e seu conteúdo apresentava, já naquele momento uma análise de conjuntura sobre os problemas relacionados à governança ambiental no estado, sinalizando algumas diretrizes gerais para o aprimoramento das práticas regulatórias no setor. Essa carta foi entregue à então equipe de transição do governo em dezembro de 2014, quase um ano antes do desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton, em Mariana. Iniciativa semelhante ocorreu em relação aos governos anteriores. Entretanto, nunca fomos chamados para qualquer debate ou exposição ampliada das ideias.

Lamentamos a falta de abertura dos nossos governantes para o engajamento responsável com o conhecimento crítico produzido pela academia. Denunciamos na referida carta a captura de instâncias de governo por parte de corporações tão somente comprometidas com seus interesses financeiros e de seus acionistas. Vale lembrar que no governo Anastasia houve processo de improbidade administrativa que abordava as relações entre a secretaria de estado de meio ambiente e as mineradoras, processo esse arquivado em 2014 sem a devida transparência à sociedade civil. Em relação ao atual governo, observamos com tristeza a repetida rendição às corporações da mineração e a reiteração de um modus operandi, com a manutenção dos mesmos atores que compõem a equipe da secretaria de meio ambiente do estado e a recorrência de práticas equivocadas que priorizam as relações com as mineradoras em detrimento de demais segmentos da população. Em meio ao novo desastre, registramos nosso pesar e novamente o alerta para toda a população. Segue para conhecimento a carta entregue ao governador Pimentel em 2014, ainda válida para governador Zema em 2019. Os casos remetem às experiências do contexto de 2014, mas poderiam ser substituídos por outras situações atuais, como a própria reunião deliberativa do COPAM que aprovou a ampliação das operações do complexo da Mina de Feijão cuja barragem rompeu na última sexta-feira, 25 de fevereiro (veja ata dessa reunião já amplamente divulgada pelos jornais).

Belo Horizonte, 28 de janeiro de 2019   Links úteis:

 


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ANEXO: Carta ao governador eleito Fernando Pimentel Ao Ilmo. Sr. Fernando Pimentel, governador eleito de Minas Gerais (2015-2018) Prezado Senhor,

Os pesquisadores abaixo-assinados vimos, há mais de uma década, estudando a formação, o funcionamento e as mudanças do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SISE- MA). Por todo esse tempo, temos, também, acompanhado e assessorado vários movimentos, entida- des e associações civis que representam comunidades e populações vitimadas por agravos ambien- tais, em suas interações com os órgãos constitutivos do SISEMA. O Mapa dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais, inserido no Observatório dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais1 , registra mais de 500 casos de conflitos em território mineiro, número certamente inferior às ocorrências de infração, impacto e/ou problemas ambientais, mas certamente revelador do incremento das desigualdades ambientais, do agravamento dos processos geradores de injustiças socioambientais e das lutas por direitos relacionados. A esse respeito, anexamos a Carta de Belo Horizonte, uma análise de conjuntura assinada por diferentes instituições de pesquisa do país e, em especial, por núcleos que se dedicam às análises específicas de processos em curso em Minas Gerais. Com efeito, as atividades de pesquisa e de interação sistemática com o SISEMA fundamentam as seríssimas preocupações que vimos aqui apresentar a V. Sa.

De nossas análises e práticas emerge a constatação de que a descentralização do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM), em URCs e SUPRAMs regionalizadas, ocorrida a partir de 2007, não significou, de fato, incremento na eficiência e no grau de democratização dos processos de licenciamento ambiental. Pelo contrário, representou facilitação para a ação mais eficaz de esquemas “coronelistas”, agenciados pelas elites políticas e economicas locais, que determinam a composição dos assentos nas URCs e pressionam os técnicos das SUPRAMs a se manifestarem favoravelmente aos empreendimentos. Nesse mesmo sentido, merece destaque, como índice da interferência irregular e imoral de poderes privados sobre instâncias públicas, a presença de repre- sentantes de empresas em reuniões dos técnicos do SISEMA, conforme denúncia apresentada pela Associação Nacional dos Servidores Municipais de Saneamento (ASSEMAE), no ano de 2009.

Além disso, a descentralização do SISEMA tampouco alterou alguns dos aspectos mais perversos do COPAM, já fartamente demonstrados por nossas pesquisas empíricas desde, pelo menos, 2003: a restrição do acesso de fato aos processos decisórios a um número relativamente reduzido de conselheiros, que se perpetuam no controle das instâncias do Conselho por anos a fio; o estabeleci- mento, entre esses conselheiros, de um forte consenso em torno da viabilização dos empreendimen- tos como um fato consumado, o que transforma o processo de licenciamento num mero “jogo de mitigação” dos chamados “impactos”, sem que se avalie, efetivamente, a própria pertinência social e ambiental dos projetos (um simples levantamento amostral comprovará que o indeferimento de licenças ambientais para grandes empreendimentos é praticamente inexistente, mesmo naqueles casos em que fica abundantemente demonstrada a ocorrência de flagrantes irregularidades e/ou ile- galidades no processo de licenciamento, ou, ainda, a inviabilidade do empreendimento, consideran- do-se a gravidade, irreversibilidade e, em vários casos, a letalidade dos “impactos” que se produzi- rão). Dessa forma, o processo de licenciamento se vê degradado em mera etapa burocrática de lega- lização dos empreendimentos, negociada entre poucos e, entre esses poucos, por aqueles que repre- sentam interesses favoráveis aos projetos. A esse propósito, registra-se a crescente estratégia de cri- ação de mecanismos ad hoc, não previstos pelo marco regulatório, com a finalidade de higieniza- ção e de legalização do processo de alguns licenciamentos, como ocorrido no caso da concessão da Licença de Instalação para o projeto Minas-Rio, da Anglo American, na URC Jequitinhonha.

Em virtude de centenas de condicionantes não cumpridas pela empresa naquela etapa, decidiu-se, para viabilizar a continuidade das obras, pela divisão da LI em LI-fase 1 e LI-fase 2, figuras inexistentes do licenciamento. O resultado é a aprovação de licenças, inclusive as de operação, como no caso citado, sem que as condicionantes sejam cumpridas e sem que sejam assegurados os direitos mínimos dos atingidos, como amplamente denunciado, até mesmo pela imprensa nacional¹.

Com efeito, nossas pesquisas também têm evidenciado a enorme assimetria entre os grupos e classes sociais que se fazem representar nas instâncias decisórias do COPAM: comprova-se, de forma irretorquível, a prevalência quase absoluta de conselheiros que representam interesses dos fautores dos empreendimentos, tais como os grupos de investidores de capital, órgãos públicos co- lonizados por tais grupos privados e governantes de todas as escalas de poder da federação.

Ficam praticamente excluídos dos processos de formação da agenda e de discussão e deliberação sobre os licenciamentos ambientais exatamente os grupos sociais, populações e comunidades sobre os quais se concentram os efeitos deletérios dos empreendimentos licenciados. Em várias oca- siões, a participação desses excluídos se limitou ao uso, muito restrito, do microfone das sessões das URCs, às quais não raro têm comparecido contingentes policiais que intimidam e reprimem os que demandam participação. Essas reuniões, em geral, têm se constituindo em processo massacrante, que chega a durar até 12 horas seguidas, como no caso da reunião de concessão da LO para a Anglo American, no dia 20 de setembro de 2014, no ginásio poliesportivo de Diamantina, URC Jequitinhonha.

No mesmo sentido, as audiências públicas, supostamente instituídas para permitir a mais ampla e efetiva participação das populações afetadas, se tornaram um “jogo de cena”, no qual a dis- tribuição do tempo de fala é totalmente favorável aos defensores dos empreendimentos. A própria qualificação da participação das populações afetadas se vê severamente restringida pelo caráter dos impenetráveis EIAs apresentados, em função não apenas da hermética linguagem técnica que neles se utiliza, mas pelo volume intimidador representado, em muitas situações, pela casa das centenas. O mesmo se pode dizer a respeito dos Pareceres Unicos emitidos pelas SUPRAMs, que chegam ao volume de 600 páginas, com pouco tempo para acesso até mesmo pelos conselheiros, como ocorri- do na reunião extraordinária que votaria a LP para a mineradora Manabi, empreendimento Morro do Pilar/Manabi S.A, em setembro de 2014.

Nas audiências públicas, assim como nas reuniões deliberativas das URCs, executam-se as mais variadas manobras, como a presença ostensiva de “platéias” transportadas pelas empresas e/ou constituídas por funcionários dessas empresas, compelidos a aplaudir os discursos feitos pelos seus patrões e seus representantes. Acresça-se que esses esquemas têm recebido ainda o amparo do apa- rato repressor do Estado, como ocorreu durante as reuniões realizadas na URC-Jequitinhonha, por ocasião dos já mencionados processos de avaliação da Licença de Operação para mineração da em- presa Anglo American e do processo de concessão de Licença Prévia para projeto da mineradora Manabi, em Morro do Pilar.

Por fim, observa-se que o SISEMA não apresenta respostas efetivas aos questionamentos apresentados pelas populações e comunidades afetadas, sejam aqueles feitos durante as audiências públicas, sejam os que, no contraponto, conseguem se externar em reuniões das URCs, sejam os que são apresentados por representantes da comunidade acadêmica. Como agravante, tanto a comunida- de afetada quanto a comunidade acadêmica têm encontrado dificuldades concretas para exercer o direito do contraditório, essencial a toda e qualquer sociedade democrática, em virtude de atos de violência verbais e até mesmo físicos verificados durante reuniões oficiais das URCs, como ocorrido em 06 de novembro de 2014, na reunião da URC Jequitinhonha para votação da LP para a mineradora Manabi S.A.4 Ressalte-se que na votação dessa mesma licença quatro conselheiros votaram contra e aqueles que se abstiveram, na maioria representantes de órgãos e empresas estatais, na jus- tificativa individual do voto, explicitaram que, caso o voto pudesse ser expressão da consciência individual, seriam contrários, mas, como estavam representando as autarquias e empresas estatais, iriam se abster. A manifesta justificativa dos conselheiros leva ao questionamento sobre o papel do Estado na aprovação de licenças, mesmo em situações bastante controversas, marcadas por carência de informações bem como ilegalidades.

Outro aspecto que nos traz grande preocupação diz respeito ao sucateamento das agências ambientais, notadamente as SUPRAMs. Técnicos já declararam publicamente a carência dos meios materiais para a execução do trabalho, sobretudo as vistorias de campo. Faltam equipamentos bási- cos, tais como veículos e GPS. Também é preocupante o quadro de técnicos do SISEMA. Falta-lhes competência específica, boa remuneração e vínculo empregatício que os incorpore aos quadros permanentes do SISEMA, além de, como dissemos, estarem sujeitos às pressões das forças políticas dominantes das localidades e regiões, como ocorreu, por exemplo, no caso do processo de licencia- mento da mineradora Anglo American, quando um dos técnicos da SUPRAM-Jequitinhonha se tor- nou gerente da empresa. Registra-se que em casos de extrema complexidade, como o da mineração pela Anglo American em Conceição do Mato Dentro, apenas quatro técnicos assinam o Parecer Unico da SUPRAM. Por fim, falta a vários técnicos o mínimo decoro para observar as normas mais comezinhas das relações humanas: em reuniões da URC-Jequitinhonha, demonstraram despreparo, ironizaram e trataram com cinismo representantes do Ministério Público e da Universidade Pública.

No sentido de se superar algumas das questões apontadas, parece ser necessário, além de um amplo debate sobre o funcionamento do SISEMA, retomar, de forma participativa, a discussão sobre o Zoneamento Economico-Ecológico de Minas Gerais. Além de levar em consideração o que vem sendo definido como “vocação” por técnicos do Estado, este Zoneamento deveria ser construído em conjunto com as pessoas que vivem nos territórios e sofrem os efeitos (positivos ou negativos) dos projetos economicos. Tal Zoneamento levaria em consideração aspectos sócio-culturais no uso e ocupação do território, como, por exemplo, a presença de povos tradicionais, assentamentos rurais etc. Ao mesmo tempo, seria necessária uma maior reflexão sobre como tal Zoneamento poderia dialogar com a legislação existente e com o processo de licenciamento ambiental de grandes projetos economicos. Tais debates devem levar em conta a requalificação dos conceitos de parceria público- privada praticados por técnicos do SISEMA, com seus respectivos dirigentes e governantes, como ficou patente nos casos do licenciamento da mineração. Em nome de tais parcerias, assistiu-se a uma sequência de acordos que, no processo de licenciamento ambiental da mineração, demonstra- ram fragilidades das estruturas do Estado para sustentar determinações legais, garantir direitos humanos e ambientais aos cidadãos, bem como para exigir o cumprimento efetivo de dezenas de me- didas condicionantes de grandes empreendimentos economicos, o que caracteriza um processo con- tinuado de flexibilização e violação de regras.

Pelo exposto, solicitamos de V. Sa. providências e medidas concretas para sanar os aspectos mais problemáticos apresentados pelo SISEMA, imprimindo-lhe a diretriz de zelar pela efetivação da justiça sócio-ambiental e da real democratização dos processos decisórios relativos aos usos das condições ambientais em nosso estado.

Belo Horizonte, 5 de dezembro de 2014. GESTA – Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (UFMG) LABCEN – Laboratório de Cenários Socioambientais (PUC-Minas) NAC – Núcleo de Agroecologia e Campesinato (UFVMJ) NIISA – Núcleo Interdisciplinar de Investigações Socioambientais (UNIMONTES) NINJA – Núcleo de Investigações me Justiça Ambiental (UFSJ) PoEMAS – Grupo de Pesquisa Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (UFJF) Notas: ¹ <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/12/1555725-maior-mineroduto-do-mundo-comeca-a-funcionar-emmeio- a-queixas.shtml> e <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/12/1555724-segundo-no-mundo-duto-rival-dizque-nao- vai-repetir-erros.shtml>

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