Nota sobre as Comunidades abaixo da barragem de rejeitos do projeto Minas-Rio (Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas e Dom Joaquim)

O desastre da Vale em Brumadinho parece ter sido anunciado um mês antes, durante a 37ª Reunião Extraordinária da Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM), no dia 11/12/2018, quando foi votada a expansão do complexo Córrego do Feijão e Jangada. Os debates sobre riscos e ameaças ambientais e sociais foram acirrados, devido aos argumentos de que não se havia analisado detalhadamente o conjunto dos dados e estudos técnicos disponíveis, e às manifestações da população contrária àquele modelo de desenvolvimento e de mineração na região. Mesmo assim, os conselheiros votaram sim, e apenas a conselheira representante do Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacia Hidrográfica (FONASC-CBH), registrou seu voto contra, defendendo as pessoas e as águas das serras de Minas Gerais.

 

Nessa mesma reunião esteve em pauta a votação da licença de operação da expansão da mina da serra do Sapo, o chamado Step 3 do Projeto Minas-Rio da Anglo American, com o pleito de “liberação de parte das estruturas”. No seu conjunto, a expansão do megaempreendimento prevê, além de uma significativa extensão da cava, o alteamento da barragem de rejeitos que ficará 7 vezes maior do que a de Fundão, da Samarco. As primeiras licenças também foram obtidas em um procedimento simplificado (Licença Prévia concomitante com Licença de Instalação n° 01/2018), em janeiro de 2018.

 

As reuniões extraordinárias têm sido um expediente muito utilizado para comprimir o tempo de concessão de licenças ambientais, sempre que um empreendimento concentra grandes interesses políticos e econômicos. Isso restringe o tempo para a análise e aprofundamento da discussão, além de limitar ainda mais a participação informada da população. A licença de operação da Etapa 3 para a Anglo American voltou à pauta apenas 10 dias depois, na última reunião ordinária do ano. A aprovação para a operação de parte das estruturas significou, na prática, o fatiamento da LO. Novamente, o único voto contrário foi o da representante do FONASC-CBH. Com esse procedimento, a SUPRI  e a CMI abriram mão de uma análise integrada e estratégica do conjunto dos desdobramentos do processo de implantação, e afastaram a possibilidade de se exigir, para a operação, o cumprimento de todas as medidas de controle ambiental definidas no próprio licenciamento, incluindo as condicionantes voltadas para o reconhecimento de direitos e recomposição dos danos a que as comunidades do entorno estão expostas. .

 

Isso mostra como se articulam os interesses em dinâmicas e estratégias que ora comprimem o licenciamento trifásico em fases concomitantes, ora o esticam em procedimentos fatiados, resultando na flexibilização das normas e dos cuidados. No mesmo espírito do fatiamento, e a exemplo do complexo do Córrego do Feijão, na reunião do dia 11 de dezembro também o Projeto Minas-Rio foi “reclassificado” para classe 4, isto é,  teve seu grau de risco diminuído. Antes era 6, o maior grau de risco, de potencial de degradação e de destruição. O processo também não demonstrou análise detalhada e criteriosa das condicionantes, pois muitas delas, como sabemos, não estão cumpridas e os técnicos aceitam como legal o fato de que as condicionantes estão “em cumprimento”, sem sequer demonstrar os resultados.

 

A barragem da Anglo American adota a tecnologia de alteamento a jusante, considerada com menor potencial de risco do que aquelas alteadas a montante, como as que se romperam em Mariana, da Samarco/Vale SA/BHP Billiton, e em Brumadinho, da Vale SA. Mas, como afirmam especialistas, nenhum método é totalmente seguro e livre de acidentes.

 

O Estudo Preliminar “Transformações socioambientais e violações de direitos humanos no contexto do empreendimento Minas-Rio em Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas e Dom Joaquim, Minas Gerais” (realizado em 2018 por GESTA/UFMG, PoEMAS, Coletivo Margarida Alves, MAM, REAJA) destacou as seguintes imprecisões e inconsistências no Volume I do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do Projeto de Extensão da Mina do Sapo a respeito da barragem de rejeitos:

 

- Em relação à segurança, ao apresentar uma discussão a respeito de alternativas locacionais da barragem de rejeitos e justificar a escolha atual, o EIA ignora a segurança dos elementos sociais, sequer indicando, no item 3.2.5 – Alteamento da Barragem de Rejeitos (EIA, Vol. I, 2015, p. 16-17), a existência das comunidades do Passa Sete, Água Quente e São José do Jassém, que estão, respectivamente, a cerca de 1,5 km, 4 km e 8,5 km de distância, a jusante da barragem.

 

- De acordo com o referido estudo, em caso de rompimento, não somente os municípios de Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas e Dom Joaquim serão afetados, mas também Carmésia (onde há a Terra Indígena Fazenda Guarani), Ferros e Santa Rita do Rio do Peixe. Tais municípios não são sequer considerados nas áreas de estudo do Projeto de Extensão da Mina do Sapo, o que evidencia a arbitrariedade e a insuficiência dos conceitos e delimitações espaciais apresentados no EIA diante do potencial impacto socioambiental do empreendimento.

 

- Outra insuficiência do estudo é a não apresentação de nenhum dado sobre os impactos a serem ocasionados em uma eventual ruptura da barragem de rejeitos. Mesmo havendo um Estudo de Cenários para o Plano de Ações Emergenciais, realizado  em 2016, este não foi publicamente apresentado ou debatido junto às comunidades a jusante da barragem.

 

- Há contradições quanto ao seu real dimensionamento. A estimativa de vida útil do empreendimento Minas-Rio é ora avaliada em 28 anos, ora em 18 a 20 anos. Contudo, a previsão de vida útil da barragem de rejeitos é estabelecida como sendo de 18 anos (EIA, Vol. I, 2015, p.17), e não se diz com precisão se essa estimativa considera uma produção de 26,5 MTPA ou 29,1 MTPA.

 

- Outra inconsistência está relacionada à altura da barragem. Conforme aponta o Capítulo I (Parte I) do Estudo Preliminar, o EIA prevê outros dois alteamentos, além do atual, não havendo, contudo, uma precisão quanto à sua altura final, uma vez que são apresentados números divergentes, como 725 m e 715m (EIA, Vol. 1, 2015, p. 11).

 

- O excessivo fracionamento do processo de licenciamento do Projeto Minas- Rio, quanto aos alteamentos previstos para a barragem de rejeitos, parece ter gerado erros de planejamento. Análises datadas de 2013 acreditavam haver material argiloso suficiente para o alteamento da barragem, todavia o EIA admite não haver material adequado suficiente para realizar os alteamentos previstos para a Etapa 3. Embora reconheça que poderá utilizar material de qualidade inferior misturado ao material argiloso, os estudos sobre a segurança da barragem não foram atualizados para essa nova condição de operação.

 

- Conforme apontado no Capítulo I (Parte I), falhas similares a essas que ora identificamos no Projeto de Extensão da Mina do Sapo – a omissão quanto à existência de comunidades situadas a jusante da barragem de rejeitos, e a não consideração dos impactos sobre a bacia hidrográfica como um todo – foram também detectadas no licenciamento da barragem de Fundão, no município de Mariana-MG, o que evidencia a urgente necessidade de revisão dos estudos elaborados pela empresa Ferreira Rocha.

 

O risco impõe a vivência do medo e da insegurança às comunidades situadas a jusante, sobretudo àquelas que estão imediatamente abaixo da barragem, Passa Sete (a cerca de 1, 5 km em linha reta), Água Quente (aprox. 3 km) e Jassém (cerca de 7 km). Mas  a situação não é reconhecida como impacto capaz de garantir o imediato reassentamento das famílias que ali habitam. Estas, ao invés de terem reconhecido este direito, enfrentam tensões e rupturas advindas da individualização das negociações e da quebra de parâmetros coletivos antes instituídos, através da imposição de um Plano de Negociação “Opcional”, ainda que com direito a uma assessoria técnica especializada, condicionante que não se encontra, entretanto, cumprida. De acordo com o PNO, cada família, para se mudar, deverá acertar a indenização diretamente com a empresa, nos termos que lhes forem propostos, como uma benesse para a saída voluntária, e não como o cumprimento de uma obrigação da empresa para com a segurança dos moradores e a reparação de suas condições de vida. Ou, ainda, poderá optar por permanecer ali, debaixo do perigo e enfrentando condições socioambientais severas, como assoreamento e poluição de córregos, secamento de nascentes, piora na qualidade dos solos, esvaziamento do espaço social, declínio da produção agrícola, poeira, entre outros. Para a comunidade do Jassém, aliás, até o momento, a Anglo sequer dispôs a possibilidade de ingresso no PNO, apesar de recomendação legal emitida pelo Ministério Público ainda em 2017, determinando a realocação das famílias das três comunidades.

 

Convidamos o leitor a conhecer melhor a situação dessas comunidades, e as razões para a manifestação que, em 30 de janeiro de 2019, mais uma vez paralisou a MG-010. Para tanto, é só acessar o caso “Conflito e Resistência à instalação e operação da Mina e do Mineroduto do Projeto Minas-Rio”,  no Mapa dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais, ou o Boletim Informativo Cartografia da Cartografia Social: Atingidos pelo Projeto Minas-Rio: Comunidades a jusante da barragem de rejeitos.

 

 

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¹SANTOS, Ana. F. dos; MILANEZ, Bruno. (Coord.). Transformações Socioambientais e Violações de Direitos Humanos no Contexto do Empreendimento Minas-Rio em Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas e Dom Joaquim, Minas Gerais. Belo Horizonte, 2018. Disponível em: <https://drive.google.com/open?id=1XeDN_UneIKmGMMKqsB0K1rIlYJXiYDN>

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