Quase 30 projetos de pesquisas sobre Mariana estão ameaçados por falta de verbas

Estudos, que tratam de questões como vegetação e tratamento de água, estão parados desde que a Fapemig não repassou as verbas

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RIO – Quase 30 projetos acadêmicos para a revitalização da Bacia do Rio Doce, em Minas Gerais, estão atolados na falta de verbas. São propostas aprovadas pelo governo estadual para desenvolver conhecimentos para a recuperação da área atingida, em novembro de 2015, pelo rompimento de uma barragem da mineradora Samarco, resultando na maior tragédia ambiental da História do país. Mais de 34 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos se espalharam por 700 quilômetros, chegando ao Oceano Atlântico.

O governo agiu rápido: dois meses depois, em janeiro de 2016, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) lançou edital que destinaria R$ 4 milhões a propostas de reparação dos danos socioambientais da região. Dos 145 projetos submetidos, 29 foram aprovados. O orçamento dos estudos seria dividido em duas parcelas. Aí começou a lentidão. A primeira deveria estar disponível em agosto, mas só chegou ao caixa dos cientistas em dezembro.

Os 25 estudos que concluíram ao menos 80% das metas previstas na primeira etapa têm direito à segunda parcela, de R$ 1,9 milhão, cuja liberação estava prevista para agosto de 2017. Até agora, porém, a verba não chegou aos laboratórios. A Fapemig atribui a demora à precária situação financeira do governo mineiro, que está privilegiando setores básicos de atendimento à população, como saúde e educação. Enquanto isso, os pesquisadores, que estão sem verbas há um ano, alertam para as consequências da paralisação dos estudos, com falta de equipamentos, insumos e veículos para chegarem às regiões atingidas pelo desastre.

— Esperamos há muito tempo pela segunda parcela. Corre o risco de perdermos pesquisas de diversas áreas, e isso causaria prejuízos a todos que foram afetados pelo rompimento da barragem — alerta Andrea Zhouri, professora titular do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG, coordenadora de um dos 29 projetos aprovados, sobre compreensão e mobilização diante de desastres. — Mandamos uma carta para a Fapemig em maio, mas até agora não responderam.

‘Governo enfrenta escolha de Sofia’, diz Fapemig

Professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Juiz de Fora, Paulo Henrique Peixoto está à frente de outro projeto que analisa o plantio em áreas que sofreram erosão. Para isso, monitora o crescimento de seis espécies em laboratório e em uma região de solo pobre em nutrientes. Até agora, gastou R$ 60 mil com a importação de equipamentos que indicam padrões bioquímicos das plantas, além de insumos como vasos, clorofila e enzimas.

— Com esta verba, consigo apenas resultados parciais, sem conferir a parte nutricional das plantas — explica. — Para isso, precisaria da segunda parcela, de R$ 60 mil, que usaria em atividades como transporte e hospedagem nos locais estudados. Fica a 250 quilômetros de distância e tenho que ir lá pelo menos uma vez por mês para capinar a área. Mas não há veículo disponível e, da última vez que fui, dois meses atrás, a região já estava tomada pelo mato.

O chefe de gabinete da Fapemig, Ricardo Guimarães, confirma que recebeu a carta dos pesquisadores, mas não explica por que ela não foi respondida. Ressalta, porém, que a correspondência foi levada à Secretaria estadual de Fazenda, num apelo para que os recursos fossem liberados.

— Vamos quase semanalmente pedir dinheiro para as pesquisas, mas o governo enfrenta uma escolha de Sofia. Os servidores do estado estão recebendo o salário em três parcelas, sendo que a última de julho atrasou — diz. — A importância das pesquisas é incontestável, e sem dúvida seu cronograma foi prejudicado. Mas não acredito que laboratórios serão fechados, porque as análises são conduzidas dentro de universidades.

Procurada, a Secretaria estadual de Fazenda de Minas Gerais não respondeu aos pedidos de entrevista.

Ira com novo edital

A ira dos pesquisadores aumentou em junho, quando a Fapemig lançou, em parceria com a Vale, edital para o desenvolvimento de pesquisas na área de mineração. Foram separados R$ 3 milhões para contemplar as propostas aprovadas. A Vale é uma das controladoras da Samarco, cujo rompimento de barragem provocou a tragédia ambiental. Os acadêmicos questionam por que a agência de fomento empenhou verbas para outro fim enquanto seus estudos ainda não receberam o orçamento prometido em 2016.

A Fapemig e a Vale, no entanto, destacam que a verba alocada para o novo edital vem de um acordo de cooperação assinado em 2010 — antes da tragédia de Mariana. A Vale informou que atua na região de Mariana por meio da Fundação Renova, criada para gerir programas de recuperação da Bacia do Rio Doce. A entidade reúne as duas acionistas da Samarco (Vale e BHP Billiton), o governo federal e diversas instituições públicas.

Flávio Boson, especialista em direito público da OAB-MG, avalia que o edital lançado por Fapemig e Vale tem respaldo constitucional.

— É preciso criar uma relação íntima entre a academia e as empresas, para que juntas possam atender a sociedade.

A Renova informou que desenvolve estudos de monitoramento e avaliação dos impactos provocados em toda a Bacia do Rio Doce. Segundo a fundação, em breve será lançado um edital, fruto de convênio com a Fapemig, para seleção de projetos de pesquisa científica para avaliar impactos ambientais nos rios Gualaxo, Carmo e Doce, com investimento de R$ 15 milhões. Questionada se não poderia também investir nos quase 30 projetos que estão parados pelo não repasse de verbas, a entidade não respondeu.

Alguns dos estudos afetados:

Tratamento avançado de água para abastecimento em situações emergenciais

Recuperação das matas ciliares e de áreas urbanas impactadas pela tragédia

Monitoramento químico da Bacia do Rio Doce e remediação com filtros de nanocompostos

Levantamento do ecossistema e espécies chave para restauração ambiental do Rio Doce

Criação do Observatório Interinstitucional da Tragédia Mariana-Rio Doce

Fonte: O Globo

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