Comunidades Quilombolas de Três Barras, Buraco e Cubas, Conceição do Mato Dentro-MG denunciam violações de direitos
O presente documento descreve as graves situações de cerceamento de direitos de quilombolas das Comunidades Quilombolas Três Barras Buraco e Cubas, em Conceição do Mato Dentro, Minas Gerais, entre 2013 e 2016. Tais situações envolvem ações de fazendeiros vizinhos às comunidades e de instituições municipais e estaduais que tem desrespeitado os direitos à circulação, à segurança alimentar, de acesso ao território, de acesso à educação e à infra-estrutura básica para a garantia das condições de vida dessas comunidades.
O objetivo do presente documento é a ampla divulgação dos casos visando a mobilização de ações de apoio e reparação aos prejuízos causados às Comunidades Quilombolas de Três Barras, Buraco e Cubas, nos últimos anos, contando com a manifestação oficial de instituições como o Ministério Público, o IPHAN-MG, o IEPHA-MG, o Gesta-UFMG, dentre outros grupos e instituições relacionados com direitos humanos, direitos de populações tradicionais, patrimônio cultural, justiça social e ambiental.
“Abaixo, descrevemos sucintamente as situações de cerceamento sofridas pelas Comunidades Quilombolas de Três Barras, Buraco e Cubas, nos últimos 3 anos, envolvendo fazendeiros vizinhos e instituições administrativas municipais (Conceição do Mato Dentro) e estaduais (MG).
Redução do território quilombola de Buraco e ausência de terras para plantio
Quase a totalidade do território atualmente ocupado pelos quilombolas de Buraco é confinante aos herdeiros de Teófilo Jorge. Essa área é administrada pela herdeira Cláudia. O restante do território quilombola faz divisa com a fazenda de Salabim e Zé Boi, comprada de um dos herdeiros da família Jorge.
Os quilombolas de Buraco narram episódios de fazendeiros que adquiriram terras dos quilombolas em troca de mantimentos, nos tempos difíceis. Transferiram partes de suas terras de herança para conseguir gêneros de primeira necessidade – alimentos, remédios, condução para tratamento de saúde, pagamento de tratamento de saúde. Os moradores de Buraco já foram exclusivamente lavradores que cultivavam principalmente milho e feijão, em terreno dos antepassados da atual fazendeira Cláudia. Trabalhavam em regime de “parceria”. Há aproximadamente 10 anos a prática agrícola foi praticamente extinta na comunidade, quando a fazendeira optou pela pecuária. “Agora tudo é pasto”, lamenta Demilson. Os quilombolas, desde então, não possuem terras para o cultivo agrícola, nem próprias e nem em “parceria”. Ao que parece a fazenda de Cláudia tem muitas porções de terra improdutivas.
Os quilombolas de Buraco estão hoje proibidos de extrair madeira verde (usada, por exemplo, para fazer cercas) na fazenda por imposição da fazendeira Cláudia e do “pessoal da ambiental” (Polícia Militar Ambiental e/ou Instituto Estadual de Florestas, não sabem precisar). Em relação à madeira seca, foram também proibidos pela fazendeira. Eles têm dúvidas se o “pessoal da ambiental” também proíbe a extração de madeira seca, ou se é uma imposição apenas da fazendeira. Várias famílias possuem apenas fogão a lenha em casa.
Os quilombolas de Três Barras e Cubas também relatam cerceamento ao uso dos recursos naturais. Muitos precisam comprar lenha para uso nos fogões.
Parque do Tabuleiro e Parque Serra do Intendente
A Comunidade Quilombola de Três Barras, Buraco e Cubas está localizada na divisa do Parque Natural Municipal do Tabuleiro e nas proximidades do Parque Estadual Serra do Intendente. O Parque Natural Municipal do Tabuleiro, enquadrado como Unidade de Conservação de Proteção Integral, foi criado por decreto municipal (N° 2.063) em 23 de julho de 2013 em substituição ao Parque Natural Municipal do Ribeirão do Campo (este criado por decreto municipal em 1998). Já o Parque Estadual Serra do Intendente foi criado pelo Decreto sem número, de 29 de março de 2007, pelo Instituto Estadual de Florestas, que administra o parque. Está inserido nos Distritos de Tabuleiro e Itacolomi, no município de Conceição do Mato Dentro.
Em abril de 2015, iniciaram-se os estudos para a elaboração do Plano de Manejo dos dois parques. Os trabalhos têm duração estimada de um ano e meio (http://cmd.mg.gov.br/meio-ambiente/tabuleiro-e-serra-do-intendente-ganham-plano-de-manejo), portanto, com previsão de publicação para outubro de 2017.
As regras de uso dos parques se confrontam ao modo de vida quilombola, que dependem do manejo dos recursos naturais para subsistência. Além disso, responsáveis pelos parques informaram aos quilombolas sobre o projeto de ampliação do Parque Natural Municipal do Tabuleiro e os quilombolas receiam que o parque possa incidir sobre seu território. O parque já se encontra na divisa com os três núcleos quilombolas (Buraco, Três Barras e Cubas).
Um representante quilombola supõe que as regras rígidas hoje impostas aos quilombolas em relação ao uso dos recursos naturais estejam relacionadas ao regulamento dos parques que pode incidir não só na área dos mesmos, mas também em seu entorno.
Interdição da Cachoeira de Três Barras
Para se chegar à comunidade de Buraco existem dois principais caminhos: pela estrada ou por um atalho passando pela Cachoeira de Três Barras. Este último é o mais usado pelos quilombolas e ambos os trajetos são geralmente feitos a pé. O atalho economiza aproximadamente 30 minutos de caminhada (enquanto o trajeto pela estrada demanda uma caminhada de aproximados 90 minutos, pelo trevo gastam uma média de 60).
Na segunda quinzena de 2015, os proprietários da Cachoeira de Três Barras, conhecidos como Salabim e Zé Boi, interditaram a cachoeira e, consequentemente, o atalho usado há décadas pelos quilombolas, possivelmente desde a fundação do quilombo.
Antes da interdição, os proprietários procuraram o presidente da associação quilombola pedindo uma reunião com a comunidade para discutirem sobre o fechamento da cachoeira. Na reunião, se comprometeram em implantar um atalho alternativo, com uma passarela sobre o rio e um cabo de aço como corrimão. Essa passarela não foi construída e, de todo modo, não seria funcional aos quilombolas, pois, por exemplo, não permite que uma pessoa atravesse o rio carregando sacolas ou uma compra de mercado.
Na reunião, os proprietários argumentaram que fechariam a cachoeira por determinação da Polícia Militar Ambiental ou do IEF (não souberam precisar), em função de desmatamento e lixo no entorno da cachoeira produzidos por turistas. Caso não proibissem o acesso à cachoeira, seriam multados no valor de 100 mil reais, explicaram os dois proprietários.
Alargamento do caminho de acesso à casa de Demilson e Família, em Buraco
No início de 2015, o quilombola Demilson, para que pudesse chegar de carro até a sua residência, alargou a trilha de acesso onde não havia árvores de médio ou grande porte, apenas arbustos e mato. Um trecho de 20 metros do caminho alargado (totalizando uma área de 60 m2) se sobrepõe às terras de uma fazenda vizinha que é confrontante com quase a totalidade do território atualmente ocupado pelos quilombolas. Uma parte dessa fazenda foi no passado propriedade dos quilombolas de Buraco, contam os moradores mais antigos a partir de relatos dos primeiros quilombolas a ocupar a região. Demilson foi denunciado pela dona da fazenda, Cláudia, e multado pelo Instituto Estadual de Florestas em R$ 1.300,00, acusado de desmatamento. Demilson recorreu à multa (para o que teve um gasto de quase R$ 2.000,00 com um advogado). Em primeira instância, Demilson foi absolvido.
Alargamento de trilho de acesso entre Buraco e Três Barras.
Há aproximadamente 1 ano, outro quilombola de Buraco, Josimar, foi denunciado pela mesma fazendeira e multado pelo “pessoal da ambiental”. Ele havia capinado o mato que nascia em um trilho, tapado alguns buracos e alargado o trilho em aproximadamente 50 cm por um trecho de 2 km para que ele e outros moradores de Buraco pudessem trafegar de moto. Este trilho é usado há décadas pelos quilombolas, mas a princípio apenas para trajetos a pé ou com cargueiro. Hoje a moto é um importante meio de transporte em área rural, por isso a necessidade de adequação do caminho.
Preparação da terra para plantio em Cubas
Por volta do final de 2015, umas das famílias quilombolas de Cubas foi multada – acusada de desmatamento – por preparar a terra para plantio em uma área que há anos destinavam às suas roças. O terreno está localizado em uma fazenda onde plantam em parceria com o proprietário. Haviam ficado um ano sem plantar. Foram multadas pelo “pessoal da ambiental”.
Abastecimento de água na comunidade de Buraco
No ano de 2013 a Comunidade Quilombola aprovou um projeto para a construção de um poço artesiano na comunidade Buraco e receberam do Governo Federal 30 mil reais para escavação do poço e aquisição dos canos para a ligação hidráulica entre o poço e as casas. Conseguiram também uma caixa d’ água, esta através da EMATER. Em contrapartida, a Prefeitura Municipal de Conceição do Mato Dentro se comprometeu a arcar com os custos da mão de obra para instalação da caixa d’água e as ligações hidráulicas até as casas, assim como se responsabilizou pelos custos com geração de energia para o funcionamento da bomba. No início de 2014, com a verba disponibilizada pelo Governo Federal, o poço foi perfurado e os canos e a caixa d’água comprados. Entretanto, a prefeitura municipal não disponibilizou uma equipe para as instalações hidráulicas. Os canos estão, desde essa época, empilhados no terreno de um dos comunitários. As peças mais expostas ao sol e à chuva estão já danificadas e precisam, portanto, serem substituídas. Os representantes da comunidade frequentemente procuram a prefeitura em busca da efetivação do serviço, mas sem respostas conclusivas. As casas de Buraco são hoje abastecidas por nascentes e não há qualquer controle sobre a qualidade da água. Frutos, folhas e animais contaminam a água desde a nascente até as residências. A água proveniente das nascentes não é suficiente e recorrentemente falta em parte das casas.
Ao menos uma nascente está localizada nas terras da fazenda dos herdeiros de Teófilo Jorge. Sobre essa fazenda e a água que abastece o quilombo, o quilombola Expedito Silvano da Silva conta que “é terra demais! Só para boi porque o povo ficou circulado. A gente sem nada. Bois bebendo em cima de nascente que abastece a gente de buraco. Água que usamos para beber. Estamos sendo escravos deles, bebendo água que os bois bebem antes. Querem governar tudo. Até lenha estão impedindo de tirar no mato.”
Minha Casa Minha Vida
Em 2014 a comunidade quilombola de Buraco foi beneficiada pelo Programa Minha Casa Minha Vida / Programa Nacional de Habitação Rural. A prefeitura ficou encarregada de contratar a firma para a construção das casas. Ainda em 2014 as obras começaram. Entretanto, antes de concluir as casas, a empresa contratada paralisou as obras. Boatos na cidade de Conceição do Mato Dentro afirmam que o proprietário encontra-se atualmente detido por decisão da justiça. Representantes do quilombo buscam respostas na prefeitura, entretanto não recebem qualquer informação sobre o retorno das obras.
Transporte Escolar do Buraco
A empresa vencedora da licitação para o transporte escolar dos alunos de Buraco matriculados em escolas da sede municipal frequentemente se recusa a buscar as crianças na comunidade. Seu proprietário, Hernando Juca, alega que a má conservação da estrada pode danificar seus veículos. Quando ele avalia que a estrada pode prejudicar o carro escolar (o que é frequente), o motorista realiza apenas uma parte do trajeto e as crianças de Buraco precisam caminhar por volta de 3 km.
“Ponte do Edir”
Esta ponte está localizada na estrada que liga a MG10 (via de acesso a sede de Conceição do Mato Dentro) aos povoados de Buraco e Cubas. Trata-se de uma ponte de madeira, sem muro ou grade de proteção, passagem de pedestres e corrimão e que não suporta o tráfego de veículos pesados. Aos pedestres e carros que atravessam a ponte, o risco de acidentes graves é grande. As margens do rio são altas e seu leito é repleto de pedras. Caminhões com materiais de construção entregam o material antes da travessia da ponte. O restante do trajeto os quilombolas precisam fazer de cargueiro ou de carro (para aqueles que o possui). Em audiência pública realizada no povoado de Três Barras, por volta de 2012, o prefeito se comprometeu em substituir a ponte de madeira para acesso às comunidades de Buraco e Cubas por uma de alvenaria, construída segundo critérios adequados para a segurança dos que a atravessam. Algum tempo após a audiência, a prefeitura reforçou a ponte com toras de eucalipto e não se falou mais na substituição por uma ponte de cimento.
Plano diretor
Os quilombolas informam que o Plano Diretor Participativo do Município de Conceição do Mato Dentro elaborado em 201/2015 propõe que a Comunidade Quilombola de Três Barras, Buraco e Cubas pertence ao distrito de Tabuleiro. Eles acreditam que essa alteração invisibiliza a comunidade. Receiam que a partir deste marcador temporal se torne mais difícil a destinação de recursos municipais para melhorias infraestruturais que beneficiem os quilombolas. Supõem, especialmente em função do potencial turístico da Cachoeira do Tabuleiro (a mais alta de Minas Gerais e a terceira maior do Brasil), que os benefícios, por exemplo na qualidade das estradas, tenda a favorecer apenas a sede do distrito. Não existe uma relação entre Tabuleiro e Três Barras, Buraco e Cubas que justifique a inclusão da comunidade quilombola como pertencente ao distrito de Tabuleiro.
Segundo informação mais atualizada no site da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro: “Depois de aprovado em audiência pública no dia 7 de abril, o Plano Diretor Participativo 2015 foi entregue na última segunda-feira (04) à Câmara Municipal, órgão que irá avaliar as adequações da lei para posterior sanção, ou não. Segundo informações do Legislativo, o PDP está sob os trâmites da Casa e ainda não há previsão de quando o documento irá para votação em plenária.” Acesso em 23/04/2016. <http://cmd.mg.gov.br/noticias/plano-diretor-e-entregue-para-votacao>”
Fonte da imagem: http://cmd.mg.gov.br/noticias/comunidade-quilombola-aprende-a-fazer-moveis-de-bambu-e-ganha-alternativa-de-renda