Urgente! – PEC 215 – Povos Indígenas em MG também correm perigo
Relato enviado por Marilda Quintino Magalhães, da Rede de Educação Cidadã, sobre experiência do dia 26 de maio, em Belo Horizonte, acerca da situação dos povos indígenas do Brasil e, especificadamente, de Minas Gerais.
Fonte: Marilda Quintino Magalhães – Rede de Educação Cidadã, Minas Gerais
“Queridos(as) companheiros(as),
Gostaria de compartilhar com todos um pouco da nossa experiência hoje, dia 26/05, em Belo Horizonte, Minas Gerais. O e-mail é longo, mas é de extrema importância para saberem o que aconteceu e está acontecendo com os povos indígenas do Brasil e, especificadamente, aqui em Minas Gerais.
Sãozinha e eu, Marilda, ficamos sabendo, por acaso (não recebemos convite) , através do boletim do Deputado Estadual André Quintão que hoje, dia 26/05, haveria um debate sobre a demarcação das terras indígenas na Assembléia Legislativa de Minas Gerais. Acertamos nossas agendas e eu fui para a ALMG, para acompanhar o debate e representar a RECID MG.
Chegando lá, havia muita gente, a maioria do povo parecendo trabalhadores rurais. Mas estranhei não haver ninguém conhecido dos movimentos sociais, ong’s e partidos progressistas. Encontrei somente uma assessora do Gab. do Deputado André Quintão, que também não estava entendendo a atividade, a coordenadora do CEDEFES – Centro de Documentação Eloi Ferreira da Silva, www.cedefes.org.br e o Sr. Jesus, da Federação Quilombola N’golo de Minas Gerais (ambos também não haviam recebido o convite).
Pois bem. Quando começou o chamado debate, que na verdade era uma “Conferência”, percebemos que era uma atividade presidida pelo Deputado Federal Toninho Filho (não tenho bem certeza do nome, pois não consegui anotar todos os nomes) e estava à mesa, dentre outros, o Dep. Estadual Carlos Pimenta, da Comissão de Agropecuária da ALMG.
Foi então que caiu a ficha!
O que estava acontecendo, a chamada “Conferência”, era uma defesa despudorada e sem um mínimo senso de ética e democracia da PEC 215/2000 http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=14562 (para maiores detalhes, entrem neste link), que retira do Governo Federal e da FUNAI a competência sobre a demarcação das terras indígenas e a remete para o Congresso Nacional, onde não por acaso, a bancada ruralista é a 3ª maior da Casa.
Não havia na mesa nenhum representante dos povos indígenas de MG, nenhum organismo internacional, nenhum setor progressista da sociedade ou do governo.
Percebemos que o público era em sua maioria massa de manobra dos municípios de Martinho Campos, Pompéu (onde resiste e luta o Povo Kaxixó) e dos municípios de Itacarambi (próximo ao povo Xakriabá) e alguns produtores rurais.
Bom, após algumas articulações nossas, chegaram alguns indígenas que residem em BH, dois antropólogos, o Coordenador do CIMI Leste e uma liderança do Povo Pataxó. Poucos que éramos, nos unimos e fizemos uma manifestação, denunciando a farsa da PEC 215, a farsa daquela dita “Conferência”, na qual à mesa a ao microfone estavam apenas os defensores da PEC 215, da FAEMG – Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais, que defende o agronegócio no estado: http://www.faemg.org.br/Content.aspx?Code=256&Portal=2&ParentCode=15&ParentPath=None&ContentVersion=R e outros setores conservadores, prefeitos de Martinho Campos, Pompéu, e Itacarambi.
O presidente da mesa ameaçou chamar a segurança para sermos retirados, de fato estávamos mesmo fazendo barulho, exigindo respeito aos direitos dos Povos Indígenas. Conseguimos negociar que se sentasse à mesa o Sr. Eduardo, Coordenador do CIMI Leste.
Os ataques continuaram em série, poderia escrever aqui por horas. Mas enfim, diziam que a Igreja, a FUNAI e ONG’s internacionais estavam inventando índios, que nunca houve índio Kaxixó, que os produtores rurais foram expulsos da sua terra quando da demarcação das terras do Povo Xakriabá, que os produtores rurais estavam impedidos de plantar e “impulsionar o progresso do país”, porque a terra estava sendo “dada aos índios”, apesar dos títulos centenários de posse (obs: o art. 231, que a PEC quer modificar, diz que o direito à terra indígena é imemorial, é propriedade da União e posse e usufruto permanente dos índios e são nulos os títulos que incidem sobre ela; é mais ou menos isso, não sei se exatamente com essas palavras. Diziam que o governo queria fazer aqui o que foi feito em Cuba e Venezuela (quem dera…), que queriam transformar uma democracia num comunismo, coisas assim.
Me chamou particularmente a atenção da fala da advogada dos produtores, Denise…(não consegui anotar o nome), que se dizia, após ser questionada por nós, que por ser advogada, era representante da OAB tb. Ela chamou os Kaxixó de vermes, vagabundos, índios de mentira e por aí vai. Havia um banner com a foto de uma liderança Kaxixó, com certeza sem autorização (crime de utilização de imagem sem autorização), com os seguintes dizeres: “Cacique Kaxixó, Onde isso vai parar? ” (mais ou menos isso). Acho que foi ela tb que disse que para comprovar que era índio, tinha que ter exame de saúde e atestado médico. Uma fala ridícula, absurda e de defesa da eugenia nazista!
Não sei se estavam esperando nossa reação, mas quando o presidente da mesa abriu para as falas do público, ele ordenou que fosse uma fala “de um lado, outra fala de outro”. A praxe é que as falas que se sucedam por inscrição, conforme orientação da mesa que estava pegando os nomes, secretariava e fazia as notas taquigráficas. Ele, no discurso, dava 2 minutos para cada fala. Mas percebemos que as falas das defesas dos produtores, prefeitos, defensores da PEC, etc, eram maiores, enquanto que as nossas eram cortadas. A liderança Pataxó a muito custo conseguiu falar um pouco mais.
Ao chegar minha vez, me apresentei como era, RECID MG, Rede de Educação Cidadã, que contava com o apoio da Casa Civil da Presidência da República e da Secretaria de Direitos Humanos. Solicitei que minha fala constasse das notas taquigráficas e solicitei o comprovante de convite aos seguintes orgãos: FUNAI, FUNASA, MPF, MPE, CIMI, Copimg (Coordenação dos Povos Indígenas de Minas Gerais), Federação Quilombola N’golo, OAB Seção Minas Gerais, Cedefes, Fetaemg, Fetraf, INCRA, RECID, Del. Estadual do MDA, Comissão de Direitos Humanos da ALMG, Comissão de Participação Popular da ALMG, ABA – Ass. Brasileira de Antropologia, Prefeitura Municipal de São João das Missões (na qual o Prefeito é indígena e neto do finado Rosalino, liderança indígena assassinada a mando dos fazendeiros em 1986,na luta do Povo Xakriabá; o vice prefeito e a maioria da população é Xakriabá). Minha fala foi cortada e infelizmente ou felizmente, meu bom e velho sangue italiano “freveu”; falei sem microfone mesmo e denunciei que aquilo era uma farsa, que aquela advogada era uma farsa, ela não estava representando a OAB – Seção Minas Gerais! Denunciei que o povo Xakriabá é o 2º povo com maior índice de suicídio do Brasil e que as crianças Maxakali estavam morrendo! Porque não foram convidados para a “Conferência” os Povos indígenas de MG? Enfim, quase fui retirada pelos seguranças.
O Presidente da mesa desqualificou minha fala com muito sarcasmo, dizendo que eu, a Recid, como tinha o apoio da Casa Civil, deveria saber dos procedimentos para debates, que aquilo era coisa do PT, etc. e tal.
Um antropólogo do lado deles defendeu que os índios tinham que ter costumes iguais aos seus descendentes para terem direito à terra; um antropólogo do nosso lado objetou, dizendo que ele, como antropólogo, deveria saber da dinâmica de mudanças dos usos, costumes e tradições, fundamentais para a resistência indígena.
Denunciamos a tentativa de embranquecimento dos povos indígenas; as tentativas de se colocar trabalhadores rurais contra indígenas, com parecia estar acontecendo ali.
Enfim, saímos com alguns encaminhamentos:
- Poliane, advogada e militante do MNDH – Movimento Nacional dos Direitos Humanos, irá fazer uma representação junto à OAB por tudo que a advogada defensora dos produtores falou, inclusive os xingamentos aos índios; irá solicitar o vídeo e cópias taquigráficas;
- O “nosso” antropólogo fará, junto com os índios presentes, uma representação na Delegacia Civil por crime de difamação, racismo, calúnia moral e uso indevido da imagem ( o caso do banner citado); também irá solicitar o vídeo e cópias taquigráficas;
- O Ministério Público Estadual será acionado através de relatório técnico ( permito-me guardar sigilo em relação ao nome do antropólogo presente para não comprometer seu nome e os trâmites do MPE e MPF; isso foi solicitado);
- Que cada um repassasse para os nossos contatos o acontecido.
Bom, é isso, quer dizer, houve muito mais, mas creio que é o suficiente. Desculpem-me se os nomes não foram anotados de forma correta, se algumas entidades dos movimentos sociais não foram citados, algumas incertezas e emocionalidades; mas acredito que fizemos e estamos fazendo a nossa parte, em busca de um País de Direitos para todos e todas!
Abraços a todos(as) e que vença o bom combate!
Marilda Quintino Magalhães
Rede de Educação Cidadã – Minas Gerais”