ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO

28/03/2024

ATORES ENVOLVIDOS

Herculano Mineração (CONEMP, ltda.); Anglo American Brasil; Arcadis Logos S/A; Geomil Serviços de Mineração LTDA; R&I Locações de Máquinas e Equipamentos LTDA; C. Fernando R. DA PAZ & CIA LTDA; Mineração Brasilmag LTDA; Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais - N’Golo; Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM); Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular; Pesquisadores da PUC-Minas envolvidos no Projeto de Extensão “A luta pelo reconhecimento dos direitos fundamentais das comunidades remanescentes de quilombo”; Prefeitura Municipal, Câmara dos Vereadores e Conselho de Desenvolvimento do Meio Ambiente (Codema) do Serro; Fundação Israel Pinheiro (FIP); Ministério Público de Minas Gerais; Ministério Público Federal; Associação Brasileira de Antropologia (ABA); Associação Sempre-Viva.

MUNICÍPIO

Serro

CLASSIFICAÇÃO GERAL E ESPECÍFICA

Atividades Industriais (Mineração)
Demanda Territorial (Terras Quilombolas)

Atividades / Processos Geradores de Conflito Ambiental

Descrição do caso:
(população afetada, ecossistema afetado, Área atingida, histórico do caso)

Localizado na região central da Serra do Espinhaço e reconhecido nacionalmente por sua arquitetura tradicional, o Serro foi o primeiro município a ser tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN), no ano de 1938. Em 2002, o queijo produzido na região se tornou o primeiro patrimônio imaterial mineiro reconhecido pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA). A formação do município remete à exploração de ouro e diamante na região a partir do século XVIII, assim como à produção de cana-de-açúcar e café, baseada na mão de obra de negros escravizados. A formação de diferentes quilombos na região deve ser compreendida à luz desse contexto econômico e político (COSTA, 2017).

Atualmente, existem no município do Serro 6 comunidades quilombolas reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares (FCP), a saber: Ausente, Baú, Vila Nova, Queimadas, Fazenda de Santa Cruz e Capivari (COMUNIDADES QUILOMBOLAS, 2021).  Seus modos de vida se baseiam principalmente na agricultura familiar, na criação de pequenos animais e na produção de hortas para consumo próprio (COSTA, 2017). Leite (2021) identifica a existência ainda de outras comunidades negras, rurais e urbanas, que poderiam se auto atribuir a identidade quilombola a seu tempo. 

O patrimônio histórico do município do Serro, os modos de vida das comunidades tradicionais, assim como a disponibilidade de água nas nascentes e mananciais, encontram-se atualmente ameaçados por um projeto de extração de minério de ferro pelo Grupo Herculano Mineração. O denominado “Projeto Serro” fica a menos de 5 km do centro da cidade.

Em novembro de 2014, a mineradora Anglo American Minério de Ferro Brasil S.A apresentou um requerimento à Prefeitura, solicitando a emissão de declaração de conformidade ao “Projeto Serro”, que, desde 2018, pertence ao Grupo Herculano. O Projeto consistia na implementação de uma lavra de minério de ferro a céu aberto, planta de beneficiamento a seco e pilha de rejeitos e estéril, com produção informada de 500.000 toneladas por ano. A duração estimada do projeto era de 17 anos, contando com as fases de planejamento, implantação, operação e desativação do empreendimento. Em análise do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) elaborado, à época, pela empresa de consultoria Arcadis Logos para a Anglo American, pesquisadores da PUC Minas chamaram a atenção para a baixa quantidade e a curta duração dos empregos a serem gerados pelo empreendimento (cerca de 200), assim como o histórico de submissão de trabalhadores em condições análogas à escravidão nas obras dessa mesma mineradora em outros municípios (LEITE, 2020).

A declaração de conformidade com as leis municipais de uso e ocupação do solo de um projeto de atividade potencialmente poluidora, como é o caso da mineração, é exigência da Resolução Conama nº 237/1997 para o processo de licenciamento ambiental. Num processo que contou com a participação de diversos segmentos sociais e distintos grupos étnicos, da zona urbana e da zona rural, marcado por reuniões e audiências públicas (LEITE, 2020), o Conselho de Desenvolvimento do Meio Ambiente (CODEMA) - órgão local colegiado e integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) - rejeitou por unanimidade a emissão da declaração de conformidade ao Projeto da Anglo American, no dia 28 de outubro de 2015. Na reunião, os membros do CODEMA expressaram suas preocupações a respeito dos efeitos  da mineração sobre a disponibilidade hídrica na região, e apontaram o descumprimento de realização de consultas prévias às comunidades quilombolas, como prevê a Convenção nº169 da Organização Internacional do Trabalho (CODEMA, 2015). 

Apesar de a decisão do Conselho ter sido acatada na época pela Prefeitura, com a troca de gestão na administração municipal, a composição do CODEMA passou por transformações. O número de cadeiras no Conselho aumentou de 8 para 16, sendo que os representantes indicados pela Prefeitura passaram a demonstrar afinidades com o projeto de mineração proposto (SERRO…, 2019). Isso ocorreu no momento em que o Grupo Herculano assumiu o direito sobre as jazidas que estavam em nome da Anglo American e requisitou a declaração de conformidade para o Projeto Serro. Simultaneamente, ocorriam discussões na cidade a respeito da revisão do Plano Diretor Municipal.

Apesar de afirmar que se tratava de um projeto menor do que aquele apresentado anteriormente pela Anglo American, sem barragem de rejeitos (CARTA…, 2021), a Herculano não apresentou, em 2019, o Estudo de Impacto Ambiental e o respectivo Relatório de Impacto (EIA-RIMA) para o projeto, fato que dificultou a compreensão da dimensão efetiva do empreendimento e da sua influência sobre as áreas de mananciais, de Mata Atlântica, sobre as comunidades quilombolas, bem como sua incidência na sede urbana em função das populações atraídas e consequente ampliação de demandas pelos equipamentos e serviços públicos.

Em janeiro de 2019, a Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais - N’Golo - conseguiu, através de um mandado de segurança, que o CODEMA fosse impedido de se manifestar sobre a conformidade do Projeto Serro enquanto o título do direito minerário - que ainda estava em nome da Anglo American - não fosse passado à Herculano. Foi reconhecida pelo juízo, a necessidade de consulta prévia, livre e informada à comunidade quilombola de Queimadas. Após recurso da empresa, a decisão foi revertida em segunda instância, que autorizou novamente o CODEMA a prosseguir com o processo de emissão da declaração de conformidade. Cinco dias depois, alguns conselheiros solicitaram a realização de uma reunião extraordinária, para que o tema voltasse à pauta e fosse votado (SERRO…, 2019).

No dia 9 de abril de 2019, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) expediu recomendação para a Prefeitura do Serro, com cópia aos Conselheiros do CODEMA, para que o projeto da Herculano não fosse pautado. O MPMG apontou a ausência de informações e documentações, a paralisação do processo de atualização do Plano Diretor do município, o risco à segurança hídrica da população e a violação de direitos das comunidades quilombolas (COURA, 2019).

As decisões judiciais e a recomendação do MPMG foram objeto de debate na reunião extraordinária do CODEMA realizada no dia 17 de abril de 2019. Na reunião, os conselheiros deliberaram, primeiramente, sobre a  realização ou não da votação sobre a conformidade do empreendimento com a legislação municipal. Com a definição de que o tema permaneceria na pauta, foi apresentado por Frederico Gonçalves (geógrafo e doutorando no Instituto de Geociências da UFMG) um relatório sobre o Projeto Serro, elaborado por ele e pelo professor Paulo Rodrigues (pesquisador titular do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear - CDTN). O relatório, que contém uma análise crítica focada na incidência do empreendimento sobre os aquíferos, águas subterrâneas (hidrogeologia) e cavernas (espeleologia) da região, aponta uma série de inconsistências e contradições no documento elaborado pela consultoria Geomil para a mineradora. Foi apontado que a extração de itabirito em áreas consideradas topo de morro, reconhecidas como Áreas de Preservação Permanente (APP), comprometem a disponibilidade e qualidade das águas da Bacia do Rio do Peixe. Os pesquisadores defenderam que os dados apresentados pela mineradora sobre a profundidade da cava da mina e do nível de água subterrânea comprovam que o projeto compromete áreas de recarga dos corpos d’água da região, de forma que o documento apresentado pela empresa constitui-se como “flagrante tentativa de manipulação de informações, forjando-se uma situação de suposta “proteção hídrica subterrânea” que, na realidade, não será atendida de forma alguma se o empreendimento ocorrer nas condições apresentadas” (RODRIGUES; GONÇALVES, 2019, p.6). Também foram identificadas deturpações a respeito da definição da Área Diretamente Afetada (ADA), sendo apontado que informações importantes foram suprimidas dos parâmetros espirométricos apresentados. Por fim, a análise também apontou que a implementação da mineração em áreas de influência de cavernas também prejudica o município, já que potencializa a perda ou diminuição da arrecadação do ICMS Cultural, referente à preservação do patrimônio espeleológico (ibidem).

Apesar desses apontamentos, na supracitada reunião de 17 de abril de 2019, o CODEMA aprovou a declaração de conformidade para o Grupo Herculano, com nove votos favoráveis, três contrários e três abstenções. Após a aprovação, o presidente do CODEMA renunciou ao cargo, que passou a ser ocupado por sua vice, representante da sociedade civil pela PUC-Minas. Com o apoio de diversos movimentos sociais, grupos acadêmicos, ambientalistas e moradores do Serro, a nova presidente anulou, em 29 de maio de 2019, a decisão do Conselho (O POVO..., 2019). O debate sobre a mineração repercutiu em outras regiões e na capital mineira, onde foram realizadas audiências públicas para ouvir os atingidos pelo projeto (SERRO..., 2019).

Numa tentativa de silenciamento das comunidades contrárias à mineração, a CONEMP (Grupo Herculano) ajuizou uma ação judicial contra o professor e advogado da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais (N’Golo), Matheus Leite, para que este fosse impedido de dar entrevistas ou de fazer qualquer manifestação pública sobre a empresa. Apesar da ação ter sido rejeitada pelo TJMG, o advogado relatou que houve outras tentativas de intimidação por parte da mineradora, como os xingamentos dirigidos a ele em reuniões públicas por pessoas levadas pela empresa (GOMES, 2019).

A pedido do MPMG, o Poder Judiciário cancelou, em agosto de 2019, a declaração de conformidade expedida pelo CODEMA, proibindo a emissão de qualquer declaração à empresa enquanto as irregularidades do Projeto Serro não fossem sanadas. O juízo competente também determinou que a declaração de conformidade só pudesse ser concedida à CONEMP/Herculano, quando fossem apresentados os devidos estudos ambientais (EIA-RIMA) requeridos pela legislação vigente para a instrução do licenciamento (BRASIL DE FATO, 2019).

Em setembro de 2019, o CODEMA passou por outra reformulação, através do Decreto Municipal n° 6.876, no qual a Prefeitura do Serro nomeou novos representantes - alguns deles respondem a inquéritos pelo cometimento de crimes ambientais e trabalhistas, e por isso têm suas nomeações questionadas na justiça por uma Ação Popular (SERRO…, 2019). Com essa nova composição, um grupo de conselheiros passou a trabalhar pela eleição imediata de uma nova mesa diretora do CODEMA, desrespeitando o regulamento do órgão, que prevê um prazo de 60 dias entre a divulgação dos nomes dos candidatos pela Prefeitura e a eleição de fato. Alguns dias depois, autointitulado-se presidente do CODEMA, um dos conselheiros retornou com o projeto da CONEMP/Herculano para votação. Em oposição à eleição realizada por esse grupo de conselheiros, a então presidente do CODEMA, que era a representante indicada pela PUC Minas, conseguiu através de decisão judicial expedida em 16 de outubro de 2019, que a sua permanência no cargo fosse garantida até a realização de uma nova eleição que seguisse os procedimentos corretos (DOTTA, 2019). Em entrevista ao Brasil de Fato, um dos conselheiros que representava a sociedade civil, afirmou que a pressa dos conselheiros se dava em virtude do medo da aprovação do novo Plano Diretor, que impediria a implementação do Projeto Serro, dada a sua localização em área de proteção hídrica, de acordo com zoneamento proposto no Plano Diretor.

Numa Ação Civil Pública movida pela Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais, a 2ª Vara Federal Cível e Criminal da Subseção Judiciária de Sete Lagoas/MG suspendeu, no dia 19 de novembro de 2019, todos os efeitos jurídicos decorrentes dos títulos minerários da CONEMP/Herculano, até que fosse efetivada a consulta às comunidades quilombolas potencialmente atingidas pelo Projeto Serro (SERRO…, 2019).

No dia 06 de março de 2020, foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta entre o MPMG e o CODEMA, representado pela sua presidente, em que se reconhecia a necessidade de apresentação de estudos sobre os impactos ambientais do Projeto Serro para a apreciação da declaração de conformidade do município em relação ao projeto. O TAC firmou compromisso de não votação sobre conformidade do município ao Projeto Serro enquanto não fossem apresentados estudos (EIA/RIMA) sobre os impactos socioambientais, em especial, sobre os impactos quanto à disponibilidade hídrica, e indicou que o estudo deveria ser realizado por pessoa física ou jurídica sem vínculo, atual ou passado, com as empresas (MPMG e CODEMA, 2020).

No entanto, apesar das decisões judiciais, da assinatura do TAC e da ausência de EIA/RIMA na ocasião, o CODEMA aprovou, em janeiro de 2021, a declaração de conformidade ao Projeto Serro do Grupo Herculano. Sob nova presidência, o CODEMA votou, no dia 28 de janeiro, pela aprovação da ata da reunião realizada no dia 17 de abril de 2019, que havia sido anulada judicialmente. Sob uma justificativa centrada em cuidados recomendados pela pandemia da Covid-19, a reunião ocorreu sem a participação da população, que ficou impedida de entrar no espaço (CODEMA, 2021).  

Em 03/02/2021, a Prefeitura sancionou o resultado da votação do CODEMA, emitindo a carta de conformidade para a empresa mineradora. A posição do Poder Executivo local foi a de que não caberia à administração municipal certificar-se sobre as questões relacionadas à hidrologia ou à hidrogeologia do projeto. Mobilizando o memorando SUPRAM/SEMAD Jequitinhonha n° 30/2020, a Prefeitura argumentou que tal análise competiria exclusivamente ao órgão estadual licenciador, a SEMAD (SERRO, 2021a; 2021b). Um Parecer Jurídico elaborado pelo Professor José Luiz Quadros, entretanto, contestou tal afirmação, apontando que é uma obrigação constitucional do município fiscalizar e proteger o meio ambiente, assim como a diversidade cultural, não podendo se furtar a essa responsabilidade em nenhuma hipótese. Sobre as alegações da Prefeitura quanto à competência do CODEMA, o professor ressaltou a qualidade de órgão assessor do Conselho, de forma que cabe à Prefeitura assumir a responsabilidade pelas decisões finais em torno da emissão da conformidade de determinado projeto com as leis e normas municipais, estaduais ou federais.

Após a emissão da declaração pela Prefeitura, o CODEMA, em 30 de abril de 2021, realizou mais uma reunião incluindo o Projeto Serro na pauta. Nesta reunião, o Conselho decidiu anular a ata da reunião do dia 17 de abril de 2019 - na qual se baseara a emissão da declaração de conformidade pela Prefeitura em fevereiro de 2021. Esse e outros atos do CODEMA foram denunciados ao MPMG, que ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP no. 5000525-49.2021.8.13.0671) na Comarca do Serro requerendo a anulação da declaração de conformidade emitida pela Prefeitura (MPMG, 2021). Os promotores de Justiça de Defesa do Meio Ambiente argumentaram que, depois de declarado nulo, um ato não pode ser simplesmente revalidado pelo Poder Público, como fez o CODEMA. Além disso, a declaração de conformidade se tratava de um ato administrativo passível de anulação judicial, já que a decisão do CODEMA favoreceu o empreendimento que estava em desacordo com a legislação municipal. De acordo com o MPMG, o Projeto Serro é incompatível com o atual Plano Diretor do Município, aprovado pela Lei Complementar  Municipal nº 75, de 06 de agosto de  2007, que define o zoneamento do território. As áreas pretendidas para implementação do empreendimento da Herculano extrapolam as áreas definidas como Zona Especial de Exploração Mineral (ZEM), se sobrepondo também à Zona de Conservação e Ocupação Controlada (ZCO) (MPMG, 2021, p.13). Na ação do MPMG são apresentadas decisões anteriores que demonstram um “entendimento consolidado” do CODEMA (MPMG, 2021, p.15) de que a mineração não é permitida na ZCO, tendo a anuência à Herculano incentivado outras mineradoras a recorrerem novamente ao Conselho na tentativa de conseguir anuência para projetos reprovados anteriormente. Além disso, o risco à segurança hídrica foi novamente destacado. O MPMG argumentou que o projeto era incompatível com a Lei Municipal nº 1990/2007 que declara a utilidade pública das nascentes no território. Entretanto, em 11 de Abril de 2022 com a decisão nº 9423348142 o pedido do MPMG foi indeferido, com o juiz alegando que não se verificavam os três requisitos necessários para uma tutela de urgência (TJMG, 2022a). 

No dia 23 de setembro de 2021, a Câmara dos Vereadores do Serro aprovou uma nova lista de membros do CODEMA elaborada pelo prefeito. Moradores e movimentos populares do Serro denunciaram que a nova configuração do conselho favorecia os interesses das mineradoras, em detrimento dos direitos das comunidades quilombolas e associações distritais já sub-representadas no CODEMA (DEPRÁ & BRANGIONI, 2021). A reunião foi marcada por manifestações populares, em articulação com o MAM e com as comunidades rurais do município do Serro, que reivindicavam democratização no CODEMA a partir da realização de eleições para escolha dos conselheiros. Movimentações online também ocorreram, centralizadas na hashtag Muda Codema (#MudaCodema). Nesse contexto, a Associação Comunitária Sempre Viva, de São Gonçalo do Rio das Pedras (distrito do Serro), foi contactada por moradores locais para apoiar ações em defesa do meio ambiente e do patrimônio natural e cultural do município, diante do avanço de outras empresas do setor mineral, inclusive ao redor de São Gonçalo. A Associação convocou uma reunião para deliberar com seus integrantes sobre a participação em ações junto ao Ministério Público, na defesa da comunidade, frente às violações de direitos provocadas pela mineração. A votação resultou em 90% de apoio para a Associação Comunitária Sempre Viva ser representante da comunidade em posição contrária às atividades minerárias na região. Tal representação  envolveu diversas mobilizações, como a responsabilidade por parte da Associação em assinar documentos, além de questões como marcadores visuais na cidade, com a divulgação de faixas com frases contrárias à mineração. Para além da ameaça representada pela Herculano Mineração, a R&I Locações de Máquinas e Equipamentos LTDA, que já teve declaração de conformidade negada pelo CODEMA em 2017, solicitou novamente a anuência do Conselho em 2021 (CODEMA, 2021, p.1; MPMG, 2021, p.15). De acordo com relatos dos movimentos que atuam na região, outras empresas como a Da Paz e a Brasilmag pleiteiam minerar em áreas do entorno do distrito de São Gonçalo e da comunidade quilombola de Capivari. 

No dia 09 de março de 2023, foi marcada uma nova audiência pública sobre o empreendimento, que deveria acontecer no dia 18 de abril de 2023. A audiência foi solicitada pelo COPAM e também, dias depois, pelo Instituto Guaicuy (Minas Gerais, 2023). A marcação dessa audiência coincidiu com um ato da comunidade de Queimadas contra a construção de uma estrada que atravessaria seu território e chegaria até a MG-010. O ato contou com a participação de representantes do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), da vereadora Karine Roza e da deputada estadual Beatriz Cerqueira. Nessa ocasião, as duas políticas e os membros da comunidade foram ameaçados por pessoas que se identificaram apenas como “cidadãos de Serro” (ALMG, 2023).

No  dia 16 de abril de 2023, a comunidade de Queimadas se reuniu na Associação de Moradores para discutir sobre o processo de demarcação do território e certificação de Queimadas como território quilombola a partir de estudo produzido pela Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Social (CIMOS) do MPMG. A reunião foi interrompida pela chegada de um ônibus fretado com um grupo de pequenos fazendeiros da região, incluindo, entre eles, uma funcionária do setor jurídico da Herculano. De acordo com o MAM (2023), além dessas pessoas, havia também representantes da mineradora Herculano e da mineradora Ônix. Os fazendeiros entraram na reunião alegando que haviam sido comunicados que ali seria decidida a demarcação do território e que eles precisavam fazer parte dessa discussão, uma vez que supostamente “perderiam suas terras”. De acordo com relatos de membros da comunidade de Queimadas, havia pessoas armadas entre os invasores, que ameaçaram os membros da associação. 

Na segunda-feira seguinte à reunião, no dia 17 de abril, a audiência pública foi suspensa pela Justiça Federal, por decisão do desembargador Prado de Vasconcelos (Brito, 2023). Essa decisão se deu devido a uma ação da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais - N’Golo, demandando que o processo de licenciamento ambiental na região fosse suspenso devido a falta de consulta prévia, livre e informada à comunidade. 

Uma semana mais tarde, no dia 25 de abril de 2023, aconteceu uma audiência pública requisitada pela deputada estadual Beatriz Cerqueira sobre a construção da estrada que transpassa a comunidade de Queimadas. Na audiência estiveram presentes o representante da Associação de Moradores de Queimadas, o advogado da federação N’Golo, do Ministério Público Federal (MPF), do Instituto Estadual de Florestas (IEF) e do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM). Durante a audiência, a deputada apresentou um termo de compromisso firmado entre Herculano e Prefeitura do Serro demonstrando que, ainda que a requisição da construção da estrada fosse feita pela Prefeitura do Serro, a execução da obra seria feita pela mineradora Herculano. O representante da associação de moradores pontuou que a comunidade não iria usufruir dessa estrada, que somente serviria à mineradora. Segundo ele, o que a comunidade precisa, de fato, é da revitalização de outras estradas na região.

A fala do advogado da N’Golo, que é também professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), denunciou a difusão de notícias falsas entre os moradores da comunidade de Queimadas e entre moradores de outros territórios da cidade do Serro. Essas notícias falsas seriam direcionadas à figura do próprio advogado e ao Ministério Público, acusando-os de terem a intenção de tomar as terras dos proprietários da região, através do processo de reconhecimento da comunidade de Queimadas como território quilombola. Tais notícias falsas seriam disseminadas desde 2014 e estariam sendo transmitidas por aplicativos de conversa para telefones celulares. 

Ao final da audiência, foi requerido: 1) que a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) paralise a construção da estrada, 2) que a Prefeitura do Serro entregue informações sobre o acordo com a mineradora e sobre a origem dos recursos empregados no pagamento das taxas administrativas, 3) que o IEF faça um novo estudo na região considerando o acordo entre a prefeitura e a mineradora, e 4) que se instaure uma investigação sobre os eventos do dia 16 de abril e que as lideranças de Queimadas fossem protegidos (ALMG, 2023).

 

VÍCIOS NO PROCESSO DE LICENCIAMENTO

Para além das discussões em torno da desconformidade do Projeto Serro com a legislação municipal, a tentativa de implementação do empreendimento minerário chama a atenção pelo atropelamento de procedimentos de licenciamento ambiental. Além da solicitação da declaração de conformidade ao CODEMA, a empresa também entrou com diversos pedidos de anuências e ourtogas em órgãos como a Fundação Cultural Palmares, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), sem no entanto, ter formalizado a abertura de processo de licenciamento junto ao órgão ambiental competente, no caso, a SUPRAM-Jequitinhonha. Seguindo a determinação da Portaria Interministerial nº 60/2015, a Fundação Palmares alegou que só se manifestará sobre o empreendimento quando requisitado pelo órgão licenciador. O IPHAN, por sua vez, iniciou procedimento de análise de impactos do projeto, mesmo sem a apresentação de EIA-RIMA, tendo elaborado os Termos de Referência para a confecção dos Relatórios de Avaliação de Impacto sobre o Patrimônio Imaterial e de Avaliação de Impacto sobre o Patrimônio Arqueológico apenas com base na Ficha de Caracterização da Atividade (FCA) e no Projeto de Engenharia elaborado pela empresa de consultoria Geomil.  

Em função de sua expertise técnica, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) foi convocada por cidadãos do Serro, do movimento quilombola e pelo Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro (FEDPCB), para realizar uma avaliação sobre o projeto de mineração da CONEMP/Herculano. Em Parecer Técnico emitido em 16 de abril de 2021, a ABA, por meio do seus Comitês de Trabalho (Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos; Patrimônio e Museus; e Quilombos) apontou uma série de vícios no processo de licenciamento do Projeto Serro. Entre eles, destaca-se a gestão do empreendedor junto aos órgãos intervenientes mesmo sem a formalização do licenciamento e a apresentação dos  estudos de impacto ambiental com a antecipação dos pedidos de anuência e outorga. O parecer denuncia a inconstitucionalidade da emissão dessas anuências para um empreendimento de mineração naquelas condições (ABA, 2021, p.7), recomendando, ao fim, a anulação da decisão do CODEMA, o arquivamento do processo aberto no IPHAN e que este e outros órgãos se abstenham de qualquer manifestação até que sejam requisitados pelo órgão licenciador. Além desses vícios procedimentais, o parecer destaca também diversas omissões sobre os danos que a atividade pode produzir sobre os modos de vida das comunidades tradicionais da região e os saberes que estas detêm, a exemplo do Modo de Fazer o Queijo do Serro e o Modo Artesanal de Fazer o Queijo de Minas.

A delimitação arbitrária e restritiva das chamadas Áreas Diretamente Afetada (ADA), de Impacto Direto (AID) e de Impacto Indireto (AII) é também questionada no mesmo parecer, que identifica o predomínio de uma economia de visibilidades, identificada na literatura etnográfica sobre o licenciamento ambiental (TEIXEIRA, ZHOURI e MOTTA; 2020, p.8). Nessa economia de visibilidades, a descrição das comunidades e dos impactos é produto de um cálculo estratégico, tal como se observa com o apagamento da comunidade quilombola de Queimadas, localizada a menos de 1 km da área pretendida para instalação do empreendimento. Em alguns documentos apresentados pela Herculano, essa comunidade sequer é mencionada. Em outros, aparece enquanto possível beneficiária dos empregos a serem gerados pela mineração. No entanto, isso ocorre sem qualquer referência à sua identidade quilombola ou menção aos danos e alterações que a atividade pode produzir sobre seus modos de vida territorializados. O Parecer Técnico questiona acerca dos efeitos que serão provocados pelas dinamitações, previstas para ocorrerem por 16 horas diárias, a partir do terceiro ano de atividade da mina, assim como os efeitos que o tráfego intenso de caminhões poderá produzir sobre as dinâmicas de trabalho, de deslocamento, de acesso aos serviços de saúde e educação ou para a realização de festividades das comunidades tradicionais, em especial as comunidades quilombolas (ABA, 2020, p.20). O parecer levanta também a possibilidade de existência de outras comunidades tradicionais na região pretendida pelo empreendimento, como as apanhadoras de flores sempre-vivas, e reitera a necessidade da realização de Consulta Prévia, Livre e Informada junto a essas comunidades, como prevê a Convenção nº 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.

Considerando o licenciamento ambiental de outro projeto de mineração no Médio Espinhaço, o Parecer da ABA afirma a necessidade de “uma avaliação integrada e de cunho holístico, com estudos de impacto ambiental que considerem impactos cumulativos e sinérgicos” (ABA, 2021, p. 24) dos vários empreendimentos na região, como o complexo minerário Minas-Rio, o Projeto Mlog (antigo Manabi) e as 22 barragens hidrelétricas previstas na bacia do Rio Santo Antônio - afluente do Rio Doce, atingido pelo Desastre da Samarco.

Em junho de 2021, o IPHAN reprovou o Relatório de Impacto sobre Patrimônio Imaterial (RAIPI), apresentado pela CONEMP em 2019 (GEOMIL, 2019), bem como sua complementação (GEOMIL, 2020),  argumentando que os critérios utilizados para definição das áreas de influência do projeto não foram esclarecidos. Foram apontadas ainda lacunas na identificação dos Produtores de Queijo Minas e a impossibilidade de uma análise satisfatória sobre os efeitos no patrimônio imaterial sem avaliações e estudos mais amplos sobre os impactos nos recursos hídricos, por exemplo. O IPHAN se manifestou à CONEMP solicitando informações sobre o status do licenciamento junto ao  órgão ambiental competente, suspendendo os trâmites do projeto até a comprovação da abertura de processo junto ao órgão licenciador. 

 

PROJETO SERRO É INCOMPATÍVEL COM O PLANO DIRETOR APROVADO PELA POPULAÇÃO

Previsto no Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001), como um dos instrumentos de planejamento municipal, o Plano Diretor é obrigatório, entre outras hipóteses do artigo 41, para os municípios com mais de 20 mil habitantes; integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas e/ou de áreas de especial interesse turístico; ou ainda, para cidades inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.

Aprovado em 2007, o Plano Diretor do Serro prevê que sua revisão deva ocorrer a cada cinco anos, no entanto, isso nunca aconteceu. No ano de 2016, o Ministério Público de Minas Gerais firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o município com o objetivo de corrigir, em 10 meses, a omissão da administração municipal em relação à revisão do Plano Diretor. Para tanto, foram destinados R$ 294.300,00 (duzentos e noventa e quatro mil e trezentos reais) - sendo R$ 88.300,00 (oitenta e oito mil e trezentos reais) pela prefeitura e R$ 206.000,00 (duzentos e seis mil reais) pelo Ministério Público - para a contratação da Fundação Israel Pinheiro (FIP), que ficou responsável pela execução dos processos necessários para essa revisão. Dividido em 3 fases, o processo de revisão do Plano Diretor contou com a realização de oficinas com a população para discussão sobre questões consideradas relevantes pelos moradores, estudos técnicos e realização de audiências públicas, visando à elaboração de uma versão final de uma Minuta de Projeto de Lei de Revisão do Plano Diretor, a ser votada pela Câmara Municipal. Estes trabalhos foram iniciados no dia 17 de dezembro de 2016, tendo a minuta final sido enviada à Prefeitura no dia 10 de outubro de 2017 (LEITE; GUIMARÃES; ANDRADE, 2021). Apesar disso, até outubro de 2021, o PL não havia sido submetido à votação.

Nas reuniões organizadas pela Fundação Israel Pinheiro, uma das principais preocupações relatadas pelas populações dizia respeito à disponibilidade de água - apresentada por algumas comunidades como o principal patrimônio do Serro - e à necessidade de se proteger as áreas de nascentes, de córregos e rios que formam o Rio Jequitinhonha e o Rio Santo Antônio - afluente do Rio Doce (FIP, 2017). Nesse sentido, em uma nova proposta de zoneamento municipal, o Projeto de Revisão do Plano Diretor delimitou uma Macrozona de Proteção de Mananciais Hídricos, onde fica expressamente proibida a realização de atividades que possam prejudicar a recarga hídrica, como a produção monocultora, a utilização de agrotóxicos, a mineração e quaisquer outras atividades extrativas (FIP, 2018). A proposta também prevê a instituição da Política Municipal de Proteção e Valorização das Comunidades Quilombolas do Serro, que, entre outros aspectos, estabelece o reconhecimento, pelo município, da posse e propriedade das terras tradicionalmente ocupadas por essas comunidades, devendo o município contribuir, no que for possível, nos processos de titulação (FIP, 2018).

Contrariando a vontade da população, expressa no processo participativo de revisão do Plano Diretor, o presidente da Câmara Municipal dos Vereadores arquivou, no dia 05 de janeiro de 2021, a minuta do Projeto de Lei, sem nenhuma participação da população (LEITE; GUIMARÃES; ANDRADE, 2021). No dia 04 de março de 2021, a Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais - N’Golo - e o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), assessorado pelo Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular, entraram com um Mandado de Injunção Coletiva na Justiça Estadual contra o Município, a Prefeitura e a Câmara Legislativa, por sua omissão em relação à obrigação de dar prosseguimento à aprovação do Plano Diretor, construído e revisado com a população. A ação judicial requer que o Município seja condenado à aprovação do Plano Diretor revisado/atualizado.  Os autores pedem também que todas as licenças ou declarações de conformidade concedidas para a realização de atividades poluidoras localizadas em Zona de Proteção de Mananciais Hídricos, ou que impacte as comunidades quilombolas no município, sejam anuladas, devendo ser indeferidas as que ainda não tenham sido concedidas (LEITE; GUIMARÃES; ANDRADE, 2021).

De acordo com representantes da Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais - N’Golo - e do Coletivo Margarida Alves, a recusa em aprovar o Plano Diretor se deu em função de gestões junto à Prefeitura, à Câmara dos Vereadores e ao CODEMA pela mineradora Herculano (LEITE; GUIMARÃES; ANDRADE, 2021). Os autores da ação apontam que entre 2018 e 2020, as alterações no Plano Diretor foram feitas a partir de projetos de leis que não contavam nem com estudos técnicos, nem com a participação popular. O projeto da Herculano é incompatível com o zoneamento proposto na minuta do Projeto de Lei de Revisão do Plano Diretor, já que a empresa pretende minerar em área que consta no novo Plano Diretor como Macrozona de Proteção de Mananciais Hídricos. Além disso, o Projeto Serro também se localizaria a uma distância de 1 km da comunidade quilombola de Queimadas. A existência de comunidades quilombolas na Área Diretamente Afetada (ADA) do projeto Serro, apesar de negada pela Herculano, foi reconhecida pela Anglo American (Ofício 08/10/2015), quando a empresa ainda era proprietária do direito de exploração das jazidas.

Essa inconformidade do projeto minerário com o novo Plano Diretor é apontada pela N’Golo e Margarida Alves (2021) como o motivo pelo qual o Plano não tem sido aprovado pelos vereadores e pela prefeitura. As entidades acusam a prefeitura e outras instituições do município de estarem sendo corrompidas (LEITE; GUIMARÃES; ANDRADE, 2021, p.38) pelo Grupo Herculano, que se beneficia do fato de o novo plano não ter sido transformado em lei.

Realizada em 2018, a 32ª Festa do Queijo do Serro contou com o patrocínio da Herculano e também da mineradora Anglo American. No contrato, firmado entre as mineradoras e a prefeitura, ficam expressas as intenções da Herculano, que associa o patrocínio à implementação da mineração no município. De acordo com a N’Golo e Margarida Alves (2021), a Herculano também teria prometido destinar R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) para a Casa de Caridade Santa Teresa (Hospital do Serro), que é mantida financeiramente pela Prefeitura Municipal do Serro/MG. Tais fatos são apontados pelas entidades como provas das vantagens econômicas obtidas pelo município em troca da declaração da conformidade do “Projeto Serro”,  que depende, dentre outros fatores, da não aprovação do novo Plano Diretor (LEITE; GUIMARÃES; ANDRADE, 2021) Em 2021, o prefeito do município apresentou à Câmara dos Vereadores, o Projeto de Lei Complementar Municipal n° 001, de 05 de fevereiro de 2021, propondo uma alteração no macrozoneamento municipal, sem a realização de consulta e audiência pública (LEITE; GUIMARÃES; ANDRADE, 2021). 

 

VÍCIOS PROCESSUAIS NA ELABORAÇÃO DO EIA/RIMA

Em abril de 2022, o EIA/RIMA, elaborado pela Geomil, foi apresentado pela Herculano, constando diversos vícios processuais, dados insuficientes e desatualizados. O EIA/Rima assume apresentar informações “levantadas e organizadas ao longo dos anos de 2013 e 2014, por ocasião da elaboração de EIA pela empresa ARCADIS Logos para um projeto com concepção diferente da atual” (GEOMIL, 2022, p. 7). Dentre outras deficiências apresentadas no EIA/RIMA, percebe-se que a identidade da comunidade quilombola de Queimadas é constantemente obliterada, a real distância do empreendimento a essa comunidade não é informada, o número de famílias tradicionais sinalizado é inferior ao número real e categorias arbitrárias são utilizadas para a definição das área diretamente afetada, área de entorno e área de influência. Mesmo com todas as falhas processuais apresentadas no EIA/RIMA elaborado pela Geomil, em maio de 2022, a Prefeitura Municipal de Serro assinou Termo de Compromisso com a Empresa Mineração CONEMP LTDA, agora após a formalização do processo de licenciamento do empreendimento junto ao órgão Estadual. Esse termo visa o repasse de R$ 46.500.000,00 (quarenta e seis milhões e quinhentos mil reais) aos cofres públicos. 

Com o intuito de dar continuidade ao avanço do licenciamento do projeto minerário da Herculano, uma Audiência Pública híbrida (online e presencial) foi marcada para o dia 24 de agosto de 2022. No entanto, três decisões do Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais puseram em causa o processo e a audiência pública levando ao cancelamento da mesma. A primeira decisão apontou que não foi satisfeita a necessidade de realização anterior da consulta livre, prévia e informada junto às comunidades tradicionais e quilombolas da região conforme a Convenção 169 da OIT (TJMG, 2022b). Na segunda decisão foram apontadas falhas do sistema de inscrição para comparecimento da população interessada na audiência pública (TJMG, 2022c). Na terceira, foi declarada a suspensão da carta de conformidade de âmbito municipal, pois não fora apresentado EIA/RIMA ao nível municipal (TJMG, 2022a). Nessa nova decisão nº 9585972668 da ação civil movida pelo MPMG contra a CONEMP e o Município de Serro, anteriormente citada, o juiz revisitou a decisão nº 9423348142 de 11 de Abril de 2022, afirmando, desta vez, a existência dos três requisitos para o deferimento da tutela de urgência por alteração do cenário, devido à audiência pública marcada e a consequente possibilidade de avanço no licenciamento. Com essa anulação, a empresa terá de obter uma nova carta de conformidade municipal para prosseguir com o licenciamento.

 

REFERÊNCIAS:

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  1. TAC CODEMA SERRO.pdf
  2. Projeto Serro - Relatório FINAL.pdf
  3. Parecer Jurídico Assinado.pdf
  4. SERRO - CARTA DE CONFORMIDADE - 03 02 21 - 05 pg (1).pdf
  5. PROCESSO 5000175-61.2021.8.13.0671 - [CÍVEL] MANDADO DE INJUNÇÃO (1).pdf
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