ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO

09/12/2020

ATORES ENVOLVIDOS

Prefeitura Municipal de Poços de Caldas; ONG Cultural Cia. TEMA; ALCOA Alumínio S.A.; Indústrias Nucleares Brasileiras (INB); Moradores de Caldas e Poços de Caldas; Greenpeace; Juizado da comarca da Caldas; Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (SEMAD); Governo do estado de Minas Gerais; Câmara Municipal de Caldas; Ministério Público Estadual de Minas Gerais (MPE/MG); Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA); Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN); Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCA); Comissão Nacional de Energia Nuclear do Ministério da Ciência e Tecnologia (CNEN).

MUNICÍPIO

Poços de Caldas, Caldas

CLASSIFICAÇÃO GERAL E ESPECÍFICA

Atividades Industriais (Mineração)

Atividades / Processos Geradores de Conflito Ambiental

Mineração e beneficiamento de urânio.

Descrição do caso:
(população afetada, ecossistema afetado, Área atingida, histórico do caso)

Em depoimento concedido na oficina realizada pelo GESTA junto a movimentos sociais envolvidos em conflitos ambientais na mesorregião Sul-Sudoeste, no dia 28 de novembro de 2009, um dos representantes da ONG TEMA, de Poços de Caldas, referiu-se à questão das mineradoras que operam naquela cidade, causando poluição, apesar de realizarem forte marketing de “responsabilidade social”, para mascarar os danos ambientais que provocam. Um jornalista de Poços de Caldas, também presente na oficina com os movimentos sociais, relatou que a primeira exploração de minério radioativo (urânio) ocorreu no Planalto de Poços de Caldas, em princípios dos anos 1980. 

A mina do Campo do Cercado, ou Mina Osamu Utsumi, foi o primeiro complexo mínero-industrial brasileiro para a produção de concentrado de urânio. Entrou em atividade em 1982 (embora, de acordo com o site eletrônico da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN, a extração já tivesse sido iniciada em 1977) e tinha como slogan “Caldas dá urânio para o Brasil”. À época, o governo municipal apoiou o empreendimento das Empresas Nucleares Brasileiras S/A (Nuclebrás) – atual Indústrias Nucleares do Brasil (INB) – e realizou uma intensa campanha no intuito de acalmar a opinião pública sobre os riscos da radioatividade. Por envolver a manipulação de um elemento químico radioativo, eleva-se o grau de periculosidade para o ecossistema assim como a preocupação da população local, que passaria a conviver com os riscos de acidentes envolvendo alta radioatividade. Simultaneamente, se iniciou ali a atividade de beneficiamento do minério, que é a produção de pastilhas com o concentrado de urânio (yellowcake), para posteriormente serem expostas a uma reação nuclear (fissão do núcleo do átomo) no interior de reatores nucleares e assim produzir energia elétrica. De acordo com o site eletrônico da ONG Greenpeace, foram produzidas ali cerca de 1.300 toneladas de yellowcake, “o suficiente para o suprimento de Angra 1 e de programas de desenvolvimento tecnológico”.

Em 1995, a INB anunciou que a operação da unidade era economicamente inviável, passando o complexo industrial a realizar o tratamento químico da monazita e de minerais contendo o urânio como subproduto. Desde então, a extração e beneficiamento de urânio realiza-se na unidade de Lagoa Real, em Caetité (BA), onde ocorrem intensos conflitos entre o empreendimento e os agentes sociais atingidos pelas suas atividades.

No final dos anos 1990, a unidade de Caldas esteve sob ameaça de receber rejeitos radioativos da Usina de Santo Amaro (Usam) – SP, que estava encerrando suas atividades voltadas para a produção de areia monazítica. Tal episódio provocou revolta na população da região, que já era obrigada a conviver com as milhares de toneladas dos materiais radioativos torta ll e mesotório produzidos pela Usam que haviam sido enviados para estoque no local. Em matéria publicada na edição de julho de 2010 da revista Caros Amigos, uma moradora de Caldas relata: 

“‘Ficamos revoltados, não fomos nós que produzimos este lixo, por que devemos aceitá-lo aqui?’ Depois de muito barulho da população, apoiada pelo Greenpeace, e da intervenção de autoridades, como o ex-juiz da comarca de Caldas, [...], e do ex-secretário de Meio Ambiente do Estado de Minas Gerais [...], o então governador Itamar Franco proibiu a entrada no Estado de Minas de lixo radioativo oriundo de outros Estados.” (REVISTA CAROS AMIGOS, 2010, p. 20).

Segundo a reportagem, a convite dos vereadores, o gerente da INB-Caldas compareceu à sessão da Câmara Municipal de Caldas, em abril de 2010, para prestar explicações sobre o processo de descomissionamento das instalações da empresa na cidade. Na ocasião, o representante da INB informou que:

“Mais de 12 mil toneladas de torta ll estão estocadas na unidade de Caldas, mas não trazem nenhum tipo de risco para a população. Os números são altos: 7.588.726 toneladas de rejeitos radioativos, 2.302 toneladas de mesotório em silos aterrados e 1500 toneladas estocadas na barragem de rejeitos, além de 10.159 toneladas de torta ll em bombonas e o restante em silos de concreto aterrados.” (CAROS AMIGOS, 2010, p. 21). 

Na oportunidade, o gerente da INB-Caldas declarou que todo esse material não representava qualquer perigo para a população. Entretanto, em fevereiro de 2011 o site do jornal Estado de Minas informava que a Justiça deu ganho de causa à ação impetrada pelo promotor do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) de Caldas, obrigando a empresa a fazer, com um atraso de 15 anos desde o cessamento das operações, o descomissionamento da área, o que se traduz pelo tratamento de todo o passivo ambiental (vegetação, águas etc. ) em 1,4 mil hectares de seus limites. Recai atenção especial à antiga cava da mina, transformada em lago de águas ácidas, e aos galpões onde ficam cerca de 40 mil bombonas, tambores e outros recipientes com material radioativo.

Em entrevista para O Estado de Minas (2011), o promotor de Justiça colocara que a área ocupada pela Unidade de Tratamento de Minério (UTM) da INB-Caldas vai precisar de “monitoramento eterno" para evitar contaminação das nascentes, córregos e ribeirões que atravessam o terreno da empresa. Também explicou que, em 2008, recebeu um laudo do Ibama mostrando a situação dos galpões que entulham rejeitos radioativos da Usina de Santo Amaro (Usam) transferidos ainda na década de 1980, sendo cerca de 12 mil toneladas de Torta II e fosfato de terras raras com tório e urânio.

Ainda nessa reportagem o promotor do MPE-Caldas acusa a CNEN de ter se omitido em relação à fiscalização e monitoramento das ações de descomissionamento. A CNEN, entretanto, comunicou que não se pronunciaria sobre a questão. O laudo do Ibama, de acordo com o promotor, relata que há vazamento em alguns tambores e precariedade das instalações, e que há fotos de “cobras mortas e ratos mumificados”. É, conforme afirma o promotor, uma ameaça séria à flora, fauna e recursos naturais de Caldas e das vizinhas Poços de Caldas e Andradas. 

Segundo reportagem do G1 em 2019, a INB apresentou o projeto de recuperação da área para o Ibama em 2011, calculando que o processo de descontaminação duraria em torno de 40 anos, precisando de 500 milhões de dólares para isto.

O descomissionamento, como é chamado, compreende um complexo de ações de desmontagem de instalações e armazenamento final de todo o material radioativo.

Atualmente, situada na divisa com Andradas, a chamada Unidade em Descomissionamento de Caldas (UDC) é composta pela cava da mina de urânio desativada, contendo lama com resíduos radioativos; uma fábrica de beneficiamento de minério desativada; uma barragem de rejeitos nucleares, que contém aproximadamente dois milhões de metros cúbicos de rejeitos residuais de urânio, tório e rádio; uma barragem de águas claras e o depósito de lixo radioativo (Torta II). 

O armazenamento dos rejeitos radioativos e combustíveis irradiados deve ser realizado com extrema cautela, procurando minimizar a exposição dos trabalhadores envolvidos à radiação. As tecnologias avançadas de infraestrutura para o armazenamento exigem também a segurança física e controle permanente. A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) é a autarquia federal, vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), responsável pela regulação, licenciamento, fiscalização e produção das atividades com tecnologia nuclear e correlatas. Ademais, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) tem a função de licenciar e fiscalizar as unidades da INB, bem como a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), órgão vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU), deve regularmente inspecioná-las.

A INB, a sua vez, é uma empresa estatal de economia mista vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME) que detém o monopólio da produção e comercialização de materiais nucleares, sobretudo da cadeia de produção do combustível nuclear. Destaca-se que a sua principal acionista é a própria CNEN, logo, o mesmo órgão que executa é o que fiscaliza.

A Lei 10.308/2001, que dispõe sobre a seleção dos locais, construção, licenciamento, operação e fiscalização dos depósitos de rejeitos radioativos, outorga à CNEN funções antagônicas e inconciliáveis; ela projeta, constrói, instala depósitos de rejeitos e, ao mesmo tempo, licencia e fiscaliza essas unidades. De tal forma, violam-se duas convenções internacionais assinadas pelo Brasil, a Convenção de Segurança Nuclear e a Convenção Conjunta para o Gerenciamento Seguro do Combustível Nuclear Usado e dos Rejeitos Radioativos, que preconizam que em cada país se assegure a efetiva separação dos órgãos que licenciam e fiscalizam dos que constroem e operam locais de rejeitos.

Além da questão do descomissionamento, há na região de Caldas uma grande preocupação em relação à contaminação dos corpos hídricos locais. A terra revolvida que restou das lavras contém grande concentração de sulfetos que, em contato com águas pluviais formam ácido sulfúrico. Além de contaminar lençóis freáticos e cursos d’água, esse ácido é capaz de solubilizar o urânio e carreá-lo para o solo. 

As águas contaminadas da INB-Caldas acumulam-se numa bacia com capacidade de 1 milhão de m3, apresentando uma concentração de 5 a 12 miligramas de urânio por litro, e não há tecnologia disponível para fazer a neutralização dos riscos ambientais representados por esse cenário.

Ao chover forte, existe a possibilidade de transbordar a barragem e a água ácida cair no Ribeirão Soberbo, que integra a Bacia Hidrográfica do Rio Verde que flui para o município de Caldas. Também está dentro dos limites da mina o Ribeirão das Antas, que nasce nas imediações da Unidade de Tratamento de Minérios (UTM) da INB-Caldas e abastece a Represa do Cipó, responsável por parte do abastecimento de água de Poços de Caldas.

Durante uma visita realizada à unidade da INB em Caetité (BA), uma das relatoras da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCA) realizou palestra em que mostrava a contaminação com lixo radioativo de importantes córregos na circunvizinhança da unidade em Caldas. Outra relatora assevera que, em virtude das denúncias de contaminação ambiental e da ocorrência de elevados índices de câncer, Poços de Caldas vai deixando de ser um importante polo turístico de Minas Gerais para transformar-se numa “cidade-fantasma".

Em janeiro de 2020, os moradores de Poços de Caldas levantaram suspeitas nas redes sociais sobre a presença de urânio na água da cidade, alegando que a represa de Águas Claras, onde nasce o Ribeirão das Antas, estaria contaminada. O diretor do Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae), Paulo César Silva, negou que possa haver contaminação e afirmou que a denúncia foi baseada em um estudo técnico preliminar de 2012, realizado por uma comissão das águas formada por diversas entidades ligadas ao meio ambiente que ao fim dos trabalhos não constatou contaminação. 

Ana Maria Ferreira, responsável pelo tratamento de água, explicou que os 105 parâmetros dispostos em portaria do Ministério da Saúde são atendidos. Segundo ela, análises bacteriológicas e físico-químico básicas são feitas diariamente, outras mais complexas são terceirizadas por um laboratório credenciado pelo Ministério da Saúde e situado fora de Poços de Caldas. Ela também afirma que, mesmo que o ministério não exija a análise mensal, estas são realizadas nessa periodicidade justamente para assegurar a população. 

Procurada pela EPTV Sul de Minas, filiada à Rede Globo, a INB informou que monitora as águas e o meio ambiente em um raio de 10 km. Os resultados obtidos são enviados anualmente à CNEN e ao Ibama.

O medo da radiação causa preocupação à população local há décadas, especialmente ao se considerar o histórico de cânceres na região. De acordo com informações divulgadas em novembro de 2005 tanto pelo Jornal O Tempo quanto pela plataforma online da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST), a incidência de câncer na região Sul de Minas e a mortalidade decorrente desta doença se traduz em taxas apresentadas como as mais altas a nível mundial. O diagnóstico, considerado preocupante, pode estar relacionado ao teor de radiação na região, tendo sido este o principal tema do 1º Fórum de Vigilância dos Cânceres relacionados ao Meio Ambiente e a Ocupação do Planalto, realizado pela Secretaria Estadual de Saúde em Poços de Caldas em 2005. De acordo com os resultados de pesquisa realizada pelo governo para avaliar a evolução da doença, discutidos ao longo do evento, o município se destaca negativamente em razão da concentração do número de mortes por cânceres hematológicos (relacionados ao sangue).

De acordo com os dados da Secretaria Estadual de Saúde, além da incidência dos cânceres hematológicos, a cidade apresenta excesso de óbitos em função de tumores de estômago, de fígado e de pulmão. Os dados usados na pesquisa foram baseados no número de óbitos por câncer em municípios e macrorregiões de Minas Gerais entre 1998 e 2002. No Sul de Minas, durante o período pesquisado, foram contabilizadas 647 mortes, entre homens e mulheres, para leucemias, linfomas (tumor de gânglios linfáticos) e mielomas (tumor formado por células da medula óssea). 

Para a coordenadora do Programa de Avaliação e Vigilância do Câncer e seus Fatores de Risco, Berenice Navarro Antoniazzi, a radiação pode ser um dos fatores para explicar a alta incidência da doença na região Sul do Estado.

-

Em 2018, a INB comunicou ao Ministério Público Federal (MPF) a ocorrência de um evento "não usual" na barragem de rejeitos, ocorrido em setembro do mesmo ano. Consistia no "carreamento de sedimentos por meio do sistema extravasor". Após a CNEN e o Ibama terem sido comunicados, foram iniciadas ações de investigação que resultaram em um relatório técnico preliminar de consultoria contratada, emitido pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e entregue à INB em novembro de 2018. O documento atesta que o sistema extravasor (tulipa) da barragem de rejeitos está seriamente comprometido em virtude de infiltrações e que já não possui condições de cumprir sua finalidade de forma segura. As falhas constatadas favorecem a mobilização de processos de ruptura hidráulica (piping), o que caracteriza uma condição de emergência, sendo necessárias medidas imediatas de intervenção nos problemas detectados.

O relatório entra em detalhes sobre as falhas: 

- Carreamento de partículas do reservatório: O carreamento de partículas de rejeitos acumulados no reservatório para jusante da barragem, embora não resulte em problemas diretos para a segurança global da estrutura, constitui impacto ambiental de elevada magnitude, particularmente por se tratar de rejeitos perigosos (Classe I).

- Rompimento de vedajuntas / deslocamento de módulos / quebra do concreto: Os jorros de água observados em alguns pontos ao longo da galeria do sistema extravasor têm as seguintes causas potenciais: rompimento de vedajuntas (membranas de borracha colocadas nas junções dos módulos de concreto da galeria); deslocamento ou ruptura dos módulos de concreto.  Além do indesejável vazamento de água contaminada, os jorros tendem a carrear partículas de sólidos e isto, como discutido a seguir, pode dar origem a fenômenos de ruptura hidráulica no maciço interno ou na fundação da barragem, caso estes materiais sejam carreados do maciço/fundações da própria estrutura.

- Carreamento de partículas do corpo ou das fundações da barragem: Este problema constitui o evento mais crítico no âmbito do ‘evento não usual detectado’ e constitui um risco extremamente elevado para a segurança da barragem. A remoção de partículas de solo; seja das fundações, do núcleo de solo compactado, ou dos filtros/transições da barragem; constitui um processo de ruptura hidráulica interna (piping), cuja evolução, na forma de um processo de erosão linear regressiva, é potencialmente crítica e uma das causas primárias de rupturas de barragens de terra ou barragens de terra e enrocamento, como é o caso da barragem de rejeitos da INB.

[Informações extraídas diretamente do Relatório Técnico Preliminar emitido pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e entregue à INB em novembro de 2018]

 

 Realizaram-se, ainda em 2018, obras de reparo na barragem, que não garantem por si só uma estabilidade do problema segundo o mesmo relatório: "As obras de substituição do sistema extravasor e de tamponamento deste, embora relevantes para a manutenção da estabilidade da barragem, não a asseguram de forma absoluta, na medida em que não se tem conhecimento da quantidade de material carreado". O MPF também constatou que os instrumentos de monitoramento da barragem de rejeitos não estão funcionando de maneira adequada, impedindo não só o controle efetivo da segurança da estrutura como também uma conclusão definitiva a respeito do seu grau de instabilidade.

No dia 23/01/2019, compareceram à Procuradoria da República no Município de Pouso Alegre (PRM - Pouso Alegre) os representantes da INB (advogados, gerente de descomissionamento e supervisor de proteção radiológica), tendo eles prestado esclarecimentos sobre as providências adotadas em caráter de urgência, a partir dos quais foi constatado que o Plano de Ação Emergencial de Barragem de Mineração (PAEBM) ainda não havia sido efetivamente implementado, mesmo após a ocorrência do chamado "evento não usual". Em virtude de tal situação, o MPF recomendou à INB e à CNEN que adotassem todas as providências necessárias à completa implementação do PAEBM até 30 de março de 2019. Vencido o prazo, apesar da INB e a CNEN afirmarem terem cumprido a recomendação, o Ministério Público Federal concluiu que diversas ações não foram implementadas, implicando no cumprimento parcial e insatisfatório do que havia sido recomendado. O PAEMB apresentado pela INB, por exemplo, não previu a realização de simulados de situações de emergência em conjunto com prefeituras, defesa civil, equipe de segurança da barragem, empregados do empreendimento e população compreendida na zona de autossalvamento (ZAS).

No dia 08 de novembro de 2019, na mesma Procuradoria, a INB assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPF relativo à barragem de rejeitos em Caldas. O TAC dispõe sobre as medidas emergenciais a serem realizadas pela INB com o objetivo de proporcionar a implementação do Plano de Segurança da Barragem (PSB) e do PAEBM na Unidade em Descomissionamento de Caldas. O acordo, com prazo inicial de vigência de dois anos, apresenta um cronograma para cumprimento das ações estabelecidas. A INB comprometeu-se em entregar ao MPF relatórios periódicos sobre o andamento das medidas acordadas, observando o prazo definido para cada uma delas.

A CNEN, responsável pela fiscalização da segurança da barragem de rejeitos, em teoria, deve seguir a Resolução CNEN 07/80, que estabelece as informações e requisitos mínimos exigidos para a emissão do Certificado de Aprovação do Relatório de Análise de Segurança, relativo a um sistema de barragem de rejeitos contendo radionuclídeos. Contudo, foi avaliado pelo MPF que essa Resolução possui 40 anos de existência e encontra-se tecnicamente desatualizada quanto às melhores práticas acerca de segurança de barragens de rejeitos, e ainda assim, sequer o que já está disposto na Resolução tem sido observado pela CNEN no caso em questão.

Devido à falta de norma adequada por parte da CNEN para assegurar a segurança da barragem, acordou-se a partir do TAC que a normativa a ser usada como parâmetro mínimo de regulamentação deve ser a Portaria 70.389/2017 do DNPM, “sem prejuízo de posterior aprimoramento pela INB, nos termos das eventuais especificidades previstas na atualização da regulamentação pela CNEN”. A Portaria do DNPM nº 70.389/2017 trata da segurança de barragens no âmbito da Agência Nacional de Mineração - ANM (antigo Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM). A barragem de rejeitos da UDC possui Dano Potencial Associado classificado como Alto, segundo critérios dispostos na Portaria em questão.

Também destaca-se que o TAC constata que a CNEN “não possui a estrutura mínima necessária ao desempenho de suas responsabilidades, relativamente à fiscalização das condições de segurança de barragens, já que sequer possui, em seus quadros técnicos, profissional com habilitação específica.” Entre as medidas previstas no Termo está a completa reestruturação do sistema de monitoramento da barragem de rejeitos em até 14 meses contados a partir de sua assinatura, visto que o sistema vigente não cumpre a função de prover informações confiáveis sobre o estado de segurança da barragem. 

A INB também deverá aprimorar o mapa de inundação da massa de rejeitos em caso de eventual rompimento da estrutura, comprovar treinamentos internos dos funcionários e colaboradores e instalar um sistema de alerta e planos de evacuação nas ZAS. Além de revisão periódica da barragem, a INB deve apresentar ao MPF um laudo, elaborado por consultor independente, que caracterize a extensão e localização das erosões internas causadas em razão das infiltrações identificadas no sistema extravasor, indicando quais os procedimentos técnicos adequados ao preenchimento ou correção desses espaços.

O TAC ainda consta algumas medidas simples de manutenção que não estavam sendo devidamente realizadas, como a supressão da vegetação arbustiva e arbórea da ombreira esquerda da barragem e dos taludes, além da retirada de cupinzeiros, formigueiros e colmeias a fim de assegurar a inspeção visual das condições de estabilidade da barragem. O descumprimento de quaisquer obrigações assumidas pela INB acarretará multa de R$ 500 mil por item, bem como multa diária de R$ 20 mil enquanto persistir o descumprimento.

Dias após a assinatura do TAC, moradores de Caldas se reuniram para discutir a situação da mina e da barragem de rejeitos. A reunião contou com integrantes da Aliança em Prol da APA da Pedra Branca, da Articulação Antinuclear Brasileira (AAB) e do sindicato Metabase, que representa os trabalhadores da INB. O encontro foi iniciado com a leitura do TAC na finalidade de destrinchar os seus pontos positivos e negativos, a partir disso, tomaram-se os seguintes encaminhamentos: 

- É imprescindível a participação da sociedade civil neste TAC; deste modo, as organizações presentes irão solicitar ao Ministério Público Federal que sejam incluídas no monitoramento do TAC, com acesso a todos os dados e relatórios fornecidos pela INB. Será solicitada uma reunião com MPF em Pouso Alegre para colocação das demandas da sociedade civil;

- O TAC se refere somente à barragem; no entanto há outros problemas gravíssimos como o depósito inadequado de material radioativo, a cava da mina de urânio e a barragem de águas claras. Assim, é preciso que o MPF também retome às exigências de outros TACs relativos a estes assuntos;

- É preciso solicitar estudos independentes sobre saúde da população atingida e do meio ambiente. É preciso verificar índices de câncer e contaminação por metais pesados.

- É preciso que a população de Caldas seja reconhecida como população atingida, tanto diretamente (no caso de pessoas que moram em zonas que podem ser afetadas pela barragem), quanto a população em geral que pode ser exposta à radiação pelo vento ou pela água contaminada. Neste caso, é importante reivindicar os direitos das populações atingidas;

- Organizar e disponibilizar todos os documentos existentes sobre o caso, desde o histórico da exploração de urânio na região até estudos científicos realizados em Caldas e entorno;

- Produzir material educativo para a população, contextualizando a situação e buscando a mobilização da sociedade para pressionar pela resolução do problema;

- Realizar eventos culturais educativos que possam dialogar com a população sobre o problema através da música, das artes e da fotografia. Há uma exposição de fotografias produzida pela ONG Sapê, de Angra dos Reis, que pode ser trazida para a região.

Conforme avaliado na reunião, entre as maiores fragilidades do TAC está a não assinatura dele pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). 

Não obstante, a posse em 2019 de um almirante de esquadra ao Ministério de Minas e Energia (MME) do Brasil, Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior, tem mobilizado a dinamização do setor nuclear no país. No cargo de Diretor Geral de Desenvolvimento Tecnológico e Nuclear da Marinha, o então almirante avançou no Programa de Submarinos (PROSUB) com propulsão nuclear. Na condução do Ministério, por sua vez, anunciou entre as pautas a privatização na exploração de urânio; a retomada das obras de Angra 3, paradas desde 2015 em razão de investigações por esquemas de corrupção; e a construção de novas usinas nucleares entre as regiões Nordeste e Sudeste.

Entre os possíveis sítios apontados para abrigar as novas plantas nucleares está um localizado entre o Rio Paracatu e o Rio São Francisco, nas mediações dos municípios de São Romão e de Ponto Chique, Mesorregião Norte do estado, e outro sítio no Vale do Rio Doce, no município de Resplendor. No que tange o fomento da exploração de urânio, o governo federal pretende firmar parcerias com a iniciativa privada, mesmo sendo esta atividade uma prerrogativa da União na figura da INB. 

Contrariando a legislação vigente, o governo considera possível firmar parcerias em casos específicos, particularmente quando a presença de urânio é minoritária em uma reserva. Para isto, a INB formou um consórcio com o Grupo Galvani, que deve começar a operar até o início de 2024, no Ceará. Para o ministro de Minas e Energia, esse será o primeiro passo para a formação de outras parcerias. 

No dia 28 de outubro de 2020 foi anunciado no site oficial do Ministério de Minas e Energia uma “forte retomada do Programa Nuclear Brasileiro”, que inclui metas ambiciosas: investimentos superiores a R$ 15 bilhões, conclusão das obras da usina nuclear de Angra 3 – que se arrastam há décadas – e construção de mais 8 usinas até 2050, retomada da mineração de urânio em Caetité na Bahia e início das operações em Santa Quitéria, no Ceará. De acordo com o ministro Bento Albuquerque, as ações com vistas a impulsionar o Programa Nuclear Brasileiro contam com o apoio irrestrito do Presidente Jair Bolsonaro, “que identifica o desenvolvimento do setor nuclear como uma prioridade para a sua gestão”.

 

 

 

 

 

Fonte(s): 

CANAL CIÊNCIA. Estudo para eliminar metais radioativos e outros de efluentes industriais pode recuperar águas para uso agrícola ou industrial. Disponível em: <http://www.canalciencia.ibict.br/pesquisas/pesquisa.php?ref_pesquisa=140>. Acesso em: 23/12/2010.

CAROS AMIGOS. Lixo radioativo ameaça região de Poços de Caldas. Disponível em: <http://carosamigos.terra.com.br/index_site.php?pag=revista&id=145&iditens=683>. Acesso em: 20/12/2010. 

ESTADO DE MINAS. Lixo nuclear causa preocupação no sul de minas. Disponível em: <http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2011/02/06/interna_gerais,208096/lixo-nuclear-causa-preocupacao-no-sul-de-minas.shtml>. Acesso em: 07/02/2011.

GREENPEACE. Notícias. Denúncia: água consumida em Caetité (BA) está contaminada por urânio. Disponível em: <http://www.greenpeace.org/brasil/nuclear/noticias/den-ncia-agua-consumida-em-ca>. Acesso em: 20/12/2010.

INB/UTM - UNIDADE DE TRATAMENTO DE MINÉRIOS EM CALDAS – MG. Disponível em: <http://www.cnen.gov.br/lapoc/tecnica/licfisc.asp>. Acesso em: 20/12/2010.

MAPA DA INJUSTIÇA AMBIENTAL E SAÚDE NO BRASIL. Disponível em: <http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/index.php?pag=ficha&cod=29>. Acesso em: 18/12/2010.

Plataforma DHESCA BRASIL. Relatoria investiga extração de urânio na Bahia. Disponível em: <http://www.dhescbrasil.org.br/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=131&Itemid=156>. Acesso em: 21/01/2010.

RADIOAGÊNCIA NP. Mina de urânio pode transformar Caetité em cidade-fantasma. Disponível em: <http://www.radioagencianp.com.br/9394-mina-de-uranio-pode-transformar-caetite-em-cidade-fantasma>. Acesso em: 20/12/2010.

Relato do representante da ONG TEMA na Oficina Cidadania e Justiça Ambiental – Mesorregião Sul/Sudoeste de Minas. Alfenas, Novembro de 2009.

Relato do representante de jornalista Plan / Rádio Difusora na Oficina Cidadania e Justiça Ambiental – Mesorregião Sul/Sudoeste de Minas. Alfenas, Novembro de 2009.

Plataforma RENAST online. Sul de Minas tem alto índice de câncer. Disponível em: <http://renastonline.ensp.fiocruz.br/noticias/sul-minas-tem-alto-indice-cancer>. Acesso em: 08/12/2020. 

 

 

G1. Após boatos, departamento de água nega contaminação em Poços de Caldas, MG. Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2020/01/23/apos-boatos-departamento-de-agua-nega-contaminacao-em-pocos-de-caldas-mg.ghtml>. Acesso em: 08/12/2020. 

 

 

BRASIL 247. Governo decide retomar mineração de urânio e ampliar programa nuclear com parcerias privadas. Disponível em: <https://www.brasil247.com/brasil/governo-decide-retomar-mineracao-de-uranio-e-ampliar-programa-nuclear-com-parcerias-privadas>. Acesso em: 08/12/2020.

 

 

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. MPF assina TAC com empresa responsável pela barragem de rejeitos nucleares em Caldas (MG). Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/noticias-mg/mpf-assina-tac-com-empresa-responsavel-pela-barragem-de-rejeitos-nucleares-em-caldas-mg>. Acesso em: 08/12/2020.

 

 

G1. Primeira barragem de exploração de urânio do Brasil: entenda risco de rompimento com resíduo radioativo. Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2019/02/26/primeira-barragem-de-exploracao-de-uranio-do-brasil-entenda-risco-de-rompimento-com-residuo-radioativo.ghtml>. Acesso em: 08/12/2020.

 

 

G1. Justiça obriga indústria nuclear a tratar rejeitos em MG. Disponível em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2011/01/justica-obriga-industria-nuclear-a-tratar-rejeitos-em-mg.html>. Acesso em: 08/12/2020.

 

 

G1. MPF recomenda criação de plano emergencial para a barragem de rejeitos da INB, em Caldas, MG. Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2019/02/08/mpf-recomenda-criacao-de-plano-emergencial-para-a-barragem-de-rejeitos-da-inb-em-caldas-mg.ghtml>. Acesso em: 08/12/2020.

 

 

G1. Comissão vai pedir visita técnica para atestar segurança de barragem da INB, em Caldas, MG. Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2019/02/14/comissao-vai-pedir-visita-tecnica-para-atestar-seguranca-de-barragem-da-inb-em-caldas-mg.ghtml>. Acesso em: 08/12/2020.

 

 

Jornal Sonha Caldas. Moradores de Caldas discutem perigos da INB. Disponível em: <https://sonhacaldas.org.br/2019/11/21/moradores-de-caldas-discutem-perigos-da-inb/>. Acesso em: 08/12/2020.

 

 

MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA. Ministro anuncia forte retomada do Programa Nuclear Brasileiro com investimentos da ordem de R$ 15,5 bilhões. Disponível em: <http://www.mme.gov.br/todas-as-noticias/-/asset_publisher/pdAS9IcdBICN/content/ministro-anuncia-forte-retomada-do-programa-nuclear-brasileiro-com-investimentos-da-ordem-de-r-15-5-bilhoes>. Acesso em: 08/12/2020.

 

Materiais Relacionados

  1. Descrição completa do caso de Caldas e Poços de Caldas.pdf
  2. SEVA Oswaldo - Mina Grande Conflitos Gerais.pdf