Debate sobre barragens contempla comunidades, economia e alternativas

Zirlene Lemos / Assessoria de Comunicação da Proex

“Reassentamento não é só casa, reassentamento é voltar a si”. Dita recentemente na UFMG por Expedito, morador de Bento Rodrigues, distrito de Mariana destruído por rompimento de barragem da Samarco, a sentença foi relembrada pela professora Andrea Zhouri durante o Seminário sobre segurança de barragens de rejeitos, realizado ontem no campus Pampulha. “A frase é complexa, exprime um problema difícil e o drama vivido pelas pessoas atingidas nos episódios de rompimentos de barragens em Minas Gerais. Elas ainda buscam o reconhecimento de que existe uma vida que foi solapada pelas mineradoras”, disse a professora da Fafich, que coordena o Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta). Ela integrou o painel Desastre e a perspectiva humana.

Andrea Zhouri, que, há 20 anos, pesquisa o assunto, destacou que desastres são fenômenos socialmente construídos e enraizados na cultura e na estrutura social. “Os desastres são recorrentes e reproduzem padrões políticos e institucionais que têm a ver com certo modelo de governança geral e ambiental no Brasil”, enfatizou. “As populações atingidas são historicamente vulneráveis. Povos indígenas, pescadores, camponeses, quilombolas têm seus recursos expropriados pelos grandes agentes corporativos legitimados pelo poder estatal que prioriza a exportação de commodities como plataforma para o chamado desenvolvimento.”

A professora afirmou que os chamados grupos de danos indenizáveis estipulados pela Fundação Renova – criada para o atendimento às vítimas –, que inclui bens privados como residências, veículos, trabalho e renda, desaparecimento, incapacidade e lesão corporal, desconsidera as questões humanas. “Uma grade fixa, previamente estabelecida, que produz uma economia, uma ficção do real, isso é o que se quer negociar sob a lógica da rentabilidade, enquanto as relações sociais que envolvem família e afetividades são ignoradas. Não há entendimento de que ali viviam comunidades”, criticou.

A qualidade da água nas comunidades atingidas foi outro aspecto discutido durante o seminário. Heitor Soares Moreira, diretor de Operações e Eventos Críticos do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), explicou que o órgão, em conjunto com a Copasa, a Agência Nacional de Águas (ANA) e a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), instituiu uma rede integrada de monitoramento de qualidade das águas e sedimentos do rio Paraopeba, afluente do São Francisco. O objetivo é garantir maior abrangência na avaliação e transparência dos impactos gerados pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho.

“São 24 locais de monitoramento ao longo do Paraopeba, sendo 15 sob responsabilidade do IGAM, três da Copasa e seis da CPRM/ANA. Alguns dos parâmetros de qualidade da água avaliados são condutividade elétrica, oxigênio dissolvido, pH, temperatura, turbidez, sólidos, alumínio, ferro e manganês. Também foram analisados arsênio, cádmio, chumbo, cobre e vários metais”, enumerou.

Heitor Moreira explicou que os 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração que vazaram da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, também atingiram a área de amortecimento do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça e parte da Área de Proteção Ambiental (APA) Sul. De acordo com análise do Instituto Estadual de Florestas (IEF), a área total impactada pelos rejeitos foi de 292 hectares, o correspondente a quase 300 campos de futebol. A área da vegetação impactada representa mais da metade desse total, ou seja, 150 hectares.

Recuperação

“Estamos elaborando um diagnóstico para subsidiar as ações da empresa nas medidas de remediação e recuperação em três trechos”, revelou Moreira. O trecho 1, com 10 quilômetros de extensão, abrange o entorno da barragem. Serão construídos diques para reter os rejeitos grossos e pesados, possibilitando a reabilitação da área. O trecho 2, no rio Paraopeba, entre Brumadinho e Juatuba, com aproximadamente 30 quilômetros, é a região onde está concentrado o material fino (silte e argila), que será dragado e acondicionado para destinação adequada. Por fim, o trecho 3, entre Juatuba e a Usina de Retiro Baixo, é o de maior extensão (170 quilômetros), e lá serão instaladas barreiras de retenção. “Numa visão otimista, entendemos que é possível reverter essa situação ou pelo menos mitigá-la consideravelmente”, ponderou.

Ao encerrar o painel Desastre e a perspectiva humana, o professor Francisco Barbosa, do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, reconheceu a importância da mineração para a economia brasileira, mas chamou a atenção para o baixo grau de agregação de valor da cadeia mineração-metalurgia-produto. “Isso faz do Brasil um simples exportador de commodities, que estão sujeitas às variações cíclicas do mercado internacional”, disse o professor, que também chamou a atenção para o passivo deixado pela mineração. “Ela perturba e danifica áreas, polui ar, solo e água, e os custos diretos de reparação não são embutidos nos preços aos consumidores.”

Barbosa propôs uma mudança de paradigmas. “Precisamos alterar expectativas e a abordagem tradicional da mineração. Ele indicou a mineral resources landscape (MRL), ou paisagem de recursos minerais, como uma nova visão de mineração. “Trata-se de uma concepção ampliada da sustentabilidade dos minerais, abrangendo produção, consumo e reciclagem e conectando os domínios do social, ecológico, tecnológico, econômico e de governança. A MRL pode antecipar impactos, integrar gestão e conservação de recursos naturais, conciliar a mineração e outras atividades, além de promover responsabilidades compartilhadas com mineradoras e outros atores”, explicou Barbosa.

Prosperidade sustentável
O painel de encerramento do seminário, Um olhar para o futuro, foi norteado por reflexões sobre como conciliar a produção mineral com a qualidade ambiental e de vida dos territórios compartilhados e como construir uma prosperidade sustentável para esses territórios.

A professora Virgínia Ciminelli, do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais, defendeu a adoção de processos com melhor desempenho ambiental. “É importante contar com 100% de recirculação de água e com fontes alternativas de água. No Chile, por exemplo, nenhum projeto de mineração é aprovado se não utilizar água do mar dessalinizada. Há também a disposição a seco: a água é removida antes que os rejeitos sejam armazenados, reforçando a segurança das barragens”, defendeu.

Mudanças mais dramáticas, segundo a professora, seriam a concentração precoce a seco, durante o beneficiamento de minério, e extração in situ – injeta-se uma solução que dissolve, de forma seletiva, o elemento que interessa. Essa solução então volta à superfície e é processada. “O método é adotado desde a década de 1960 para extração de urânio e vem sendo considerada para outros metais, como o cobre”, disse.

Virginia Ciminelli salientou que inovação gera aumento de receita. “Há inúmeros exemplos no Brasil e no mundo de que aproveitar 100% dos rejeitos leva a um aumento de 30% da receita. Economizar água e usar fontes alternativas de energia também elevam receita.”

Para a professora da Escola de Engenharia, pensar no futuro da mineração em Minas Gerais pressupõe atendimento das expectativas ambientais e de qualidade de vida das comunidades, partilha justa dos recursos naturais, projetos sustentáveis para a pós-mineração, solução para os conflitos e gestão participativa e eficiente do território. “É possível, sim, projetar a prosperidade sustentável. Além disso, a riqueza da mineração, que é finita, deve ser usada como um catalisador na busca da diversificação econômica e do planejamento de futuro”, enfatizou.

Ciência e vontade política
O ex-reitor da UFMG Clélio Campolina, professor emérito da Faculdade de Ciências Econômicas, comparou os investimentos em ciência e tecnologia do Brasil com os de países desenvolvidos. A Coreia do Sul deve investir 5% do seu PIB em ciência, cerca de 70,5 bilhões de dólares; Alemanha e Japão, 3%; EUA, 2,5%. “E o Brasil está regredindo para 1%, em processo de desindustrialização, marcado pela ausência de planejamento”, ele disse.

Em relação à posição de Minas Gerais nesse cenário, Campolina mencionou estudo da Fiemg sobre o impacto dos desastres no PIB mineiro. A conclusão é de que a produção da indústria extrativa mineral cairá 14% em 2019 e o Estado sofrerá perda de 4,3% na arrecadação direta e queda no PIB de até 10%.

O reitor da UFMG na gestão 2010-2014 propôs a adoção de um padrão de organização social que seja capaz de combinar a busca da riqueza e do bem-estar material com a inclusão social e a liberdade. “Temos que buscar alternativas complementares de diversificação econômica, incluir o conhecimento científico para dar um salto de qualidade em parceria com as empresas e mobilizar os atores despertando a vontade política, porque as decisões em última instância são de natureza política. É preciso perseguir soluções de médio e longo prazos e, ao mesmo tempo, avaliar o que é possível fazer de imediato. Se não conseguirmos voltar a mobilizar a comunidade científica, o sistema empresarial e criar canais de inclusão social, fica muito difícil pensar o futuro”, concluiu Campolina.

Todo o conteúdo do segundo dia do seminário sobre segurança de barragens de rejeitos está disponível no canal do YouTube da Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC) da UFMG.

O evento foi promovido pela Academia Brasileira de Ciência (ABC), Associação Nacional de Engenharia, UFMG e Ministério de Minas e Energia, com apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Coppe/UFRJ e Capes. Na UFMG, o evento foi realizado pelo Programa Participa e pelo Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT).

A TV UFMG registrou o evento e entrevistou, entre outros participantes, a reitora Sandra Regina Goulart Almeida e o presidente da Academia Brasileira de Ciência, Luiz Davidovich.


Fonte: https://ufmg.br/comunicacao/noticias/debate-sobre-barragens-contempla-comunidades-economia-e-alternativas

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