MATA DO PLANALTO
Em 28 de janeiro, a magnífica área verde conhecida como Mata do Planalto, localizada noBairro Planalto, Região Norte de Belo Horizonte, sofreu um revés sem precedentes, quando, lamentavelmente, o Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam), órgão colegiado da Secretaria Municipal de Meio Ambiente da prefeitura da capital, por seu livre arbítrio, concedeu a licença prévia para a construção de oito torres de 16 pavimentos, num total de 760 apartamentos e 1.016 vagas de estacionamento nos terrenos da sua exuberante extensão vegetada.
Embora existam a Recomendação 003/11 e a Ação Civil Pública do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), ambas contrárias ao licenciamento do empreendimento, ainda assim o Comam desconsiderou o fato de o objeto da demanda encontrar-se sub judice e aprovou as obras na área de proteção ambiental. Ou seja, o Comam desrespeitou o MP, o Poder Judiciário e a sociedade, uma vez que se colocou acima dos interesses difusos e coletivos e fez valer a sua vontade, acintosamente, votando contra o meio ambiente e contra as suas próprias diretrizes.
Além do abuso de poder, o Comam não deu a publicidade necessária à reunião, nos termos do artigo 37 da Constituição da República e consoante os dispositivos legais da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), tornando desconhecidos da opinião pública os itens da pauta, alijando do processo a participação democrática dos moradores, prejudicando o mérito da proteção constitucional do bioma típico de Mata Atlântica e afastando da sociedade a transparência dos comportamentos e das decisões dos conselheiros e agentes da administração municipal.
Em pleno período de absoluta escassez de água, o Comam colocou sob forte ameaça de extinção cerca de 16 nascentes de água pura e cristalina, ignorou a crise hídrica, deu sinal verde para o sacrifício iminente da fauna e da flora, decretou o fim do convívio harmonioso da biodiversidade na Mata do Planalto e obstou o funcionamento equilibrado dos ecossistemas, cujas consequências desastrosas surgirão com o início das possíveis e indesejadas obras. Ademais, o órgão ambiental nem sequer se deu ao trabalho rigoroso da análise das etapas dessa licença, posto que se baseou em laudos antigos de 2008, 2009 e 2010, desatualizados e carecedores de novas inspeções, vistorias e perícias na seara do direito ambiental.
No entanto, ainda há tempo para o poder público municipal se redimir de seus crassos erros administrativos contra o meio ambiente, corrigindo-os na forma e na essência, viabilizando a desapropriação da área e indenizando o proprietário, ou permutando os terrenos da mata por terrenos públicos, ou propondo a transferência do direito de construir (TDC), formalizando o efetivo interesse ambiental, com o respaldo do Legislativo, cujos membros foram eleitos para defender os verdadeiros interesses da população.
Violar o Princípio da Proibição de Retrocesso Ambiental é ferir de morte as garantias fundamentais da sobrevivência humana; é tergiversar sobre os fortes fundamentos éticos, políticos, constitucionais, legais e jurisprudenciais; é desconhecer a segurança dos artigos 23, incisos VI e VII, 170, inciso VI e 225 da Constituição, e 4º, 59 e 77 do Plano Diretor de Belo Horizonte.
Certo é que as ameaças à Mata do Planalto precisam cessar, mesmo porque as comunidades e a sociedade de maneira geral estão inconformadas e prometem vigilância diuturna, com a realização de passeatas, carreatas, seminários, reuniões, audiências públicas e ações judiciais, quantas necessárias, na defesa incontinenti da preservação integral da mata, situada em área urbana e dentro de um ecossistema com produção ecológica satisfatória ao meio.
Ressalte-se que, em 12 de abril, os moradores da região ajuizaram ação popular, distribuída para a 6ª Vara da Fazenda Pública Municipal de Belo Horizonte, contra a derrubada da Mata do Planalto.
Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).
A MÁ-FÉ DO COMAM
(Este artigo mereceu publicação do jornal O TEMPO, edição de domingo, 03/05/2015, pág. 21).
A incoerência percorre caminhos livres e desimpedidos no Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam). A legalidade, por sua vez, encontra obstáculos impostos por uma administração descomprometida com a sociedade, ainda atrelada aos resquícios de um autoritarismo tardio.
A administração municipal, em ato impensado e antidemocrático, por meio da Portaria 6.553, de 10 de abril de 2015, reconduziu os membros do Comam para um novo mandato à frente do órgão colegiado, sem convocar a população para participar do processo que, no mínimo, deveria ser legal, moral, impessoal e transparente.
O Comam tem se revelado, nos últimos tempos, um inimigo figadal dos cidadãos belo-horizontinos, posto que se submete, ordinariamente, aos interesses do poder econômico e deixa sem proteção o meio ambiente, embora este seja a única explicação para a sua existência como agente público. Aliás, negligencia de forma contumaz a sua competência, quer seja na promoção de medidas destinadas à melhoria da qualidade de vida no município, na formulação de normas técnicas e padrões de proteção, conservação e melhoria do meio ambiente, observadas as legislações federal e estadual, na concessão de licenças para implantação e operação de atividades potencialmente poluidoras, na aprovação das normas e diretrizes para o licenciamento ambiental ou na atuação no sentido de formar consciência pública da necessidade de proteger, conservar e melhorar o meio ambiente na cidade. Ou seja, o Comam encontra-se na contramão da realidade humana e dos valores ambientais, não diz a que veio, foge de suas funções, prejudica os moradores e afasta a cidadania.
A falta de paridade na composição do Comam é outra excrescência da administração, que insiste no autoritarismo do comando no órgão normativo, quando mais uma vez designa oito membros representantes do poder público municipal contra sete da sociedade civil, sendo que, desses, apenas dois representam as entidades populares. Daí o império do abuso de autoridade e o esgar da falta de comprometimento com os reais interesses da população, mormente quando trata de forma desigual os iguais e, para piorar, mantém no processo de deliberação o voto de Minerva, também resquício da autocracia imperial.
Destarte, resta ao município reparar o erro, cancelar a portaria, suspender temporariamente as atividades do Comam e convocar a população para audiência pública de eleição de novos representantes, paritariamente, comprometidos com uma cidade para todos e não somente para alguns, na excelência do entendimento do administrador público de que a democracia ampla, geral e irrestrita se faz necessária em todos os atos da gestão pública e no acatamento inconteste da Constituição da República, do Estatuto da Cidade, dos interesses difusos e coletivos, do envolvimento democrático dos vários segmentos da sociedade e da segurança da igualdade de direitos.
Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).