ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO

20/08/2020

ATORES ENVOLVIDOS

Comunidade Quilombola Mata dos Crioulos; Instituto Estadual de Florestas; Ministério Público Federal (MPF); Ministério Público Estadual (MPE); Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA); Fundação Cultural Palmares.

MUNICÍPIO

Serra Azul de Minas, Serro, Couto de Magalhães de Minas, Diamantina, Felício dos Santos, São Gonçalo do Rio Preto

CLASSIFICAÇÃO GERAL E ESPECÍFICA

Áreas protegidas (Conservação/Biodiversidade) (Unidades de Conservação de Proteção Integral)

Atividades / Processos Geradores de Conflito Ambiental

Expropriação territorial, proibição de meios tradicionais de subsistência.

Descrição do caso:
(população afetada, ecossistema afetado, Área atingida, histórico do caso)

 

A Comunidade Quilombola Mata dos Crioulos localiza-se na área de confluência dos munícipios de Diamantina, Serro, Couto de Magalhães de Minas, São Gonçalo do Rio Preto, Felício dos Santos e Serra Azul de Minas. Em seu território nascem diversos rios importantes que abastecem as bacias do Rio Jequitinhonha e Rio Doce.

 

A comunidade apresenta diversas peculiaridades tais como as construções feitas com material encontrado no local, suas relações pessoais, sua maneira de perceber e vivenciar o território, o alto grau de parentesco, a sazonalidade com que realizam suas atividades fazendo, assim, usos diferenciados do território, com épocas específicas de coleta de flores sempre vivas, criação de gado na solta e plantio das “roças”, além de diversas outras atividades.

 

O Território da Mata dos Crioulos está inserido na Serra do Espinhaço Meridional e no interior de uma APAE (Área de Proteção Ambiental Estadual).  A APAE das Águas Vertentes, criada em 1998, com área de 76310 ha, faz divisa com outras cinco Unidades de Conservação sendo duas de proteção integral: o Parque Estadual do Rio Preto, criado em 1994, com 12.185 ha, e o Parque Estadual do Pico do Itambé, criado em 1998, com 6.520 ha, além de três APAS municipais: APAM Felício dos Santos, APAM Rio Manso e APAM Rio Vermelho.

 

A criação destas UC’s, principalmente do Parque Estatual do Rio Preto e do Parque Estadual do Pico do Itambé, desconsiderou completamente as populações que tradicionalmente ocupavam esta região.

 

A área do Parque do Rio Preto abrangeu boa parte das áreas de uso comunal dos comunitários da Mata dos Crioulos, principalmente as chapadas, locais denominados pelos moradores como “terra de Deus”. Áreas de uso comum que só conheceram cercas após a chegada do parque. As chapadas eram utilizadas para a criação de gado na época da seca (poucas cabeças por família), para coleta de plantas medicinais e, principalmente, para a “panha” de flores sempre-vivas.

 

Por ser uma unidade de conservação de proteção integral, os parques proíbem qualquer tipo de extrativismo em seu interior, restringindo seu uso público ao turismo e pesquisa. O inicio das proibições se deu de maneira truculenta pelos gestores do parque, havendo inclusive a destruição e queima das lapas, lugar de moradia das famílias na época da coleta das flores (3 a 4 meses por ano).

 

Durante a Oficina Cidadania e Justiça Ambiental realizada pelo GESTA/UFVJM, em Diamantina no ano de 2010, os moradores informaram que se sentem extremamente ressentidos com esta expulsão não tendo voltado em suas “casas das chapadas” desde a implantação do Parque do Rio Preto. Vários moradores da Mata dos Crioulos nasceram nessas lapas. As chapadas além de um lugar de subsistência eram também um lugar de encontros, pois diversos grupos familiares subiam a chapada na mesma época, havendo diversas trocas materiais e imateriais, festas, além de vários casamentos que se iniciaram por lá. Várias famílias migraram para a cidade por causa da criminalização do seu modo de vida e da retirada de seus meios de sobrevivência. Muitas outras decidiram resistir e perpetuar suas formas de vida.

 

Desde 2010 a comunidade vem sofrendo novas pressões em vista de uma proposta, apresentada pelo IEF, de ampliação do Parque Estadual do Rio Preto e do Parque Estadual do Pico do Itambé, interligando os dois parques e compondo um só bloco. Esta expansão se daria totalmente sobre o território da comunidade quilombola.

 

Durante a oficina de atualização do Mapa dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais, realizada no município de Diamantina, em 2012, uma representante da comunidade da Mata dos Crioulos informou que seu pai foi multado indevidamente pelos fiscais do Parque, pois, os mesmos encontraram lenha dentro da comunidade. Por este motivo a família foi pressionada pela polícia, que alegou, que seu pai deveria prestar esclarecimentos na delegacia. Outro episódio narrado por ela ocorreu no momento em que ela estava coletando flores sempre-vivas em área destinada à ampliação dos parques. Nas palavras dela:

 

Eu estava coletando flores quando chegou um dos gestores do Parque, chegou na lapa e disse: ‘você sabia que você esta expulsa desta área?’ Ele falou que a área virou uma área ambiental, onde se formou um Parque e por isso a população estava expulsa. Ele mandou eu sair, mas já era fim da tarde, então eu pedi para ele esperar meus pais chegarem, porque eu estava com crianças e não tinha para onde ir. O gestor falou que não, que eu teria que sair imediatamente se não os policiais iam expulsar todos na manhã do dia seguinte. Eu fiquei com muito medo e sai com as crianças, na mesma noite ainda (Relato de representante na oficina de atualização do Mapa dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais; Diamantina: 2012).

 

Esta representante relatou ainda que, propôs ao gerente do IEF, que ele fizesse uma fala pública para que todos pudessem compartilhar do esclarecimento sobre as Unidades de Conservação, porém ela sentiu que ele não concordou muito com a proposta. Para a relatora esta explicação precisa ser para todos, ela não concorda que passem de casa em casa, pois tal estratégia do órgão ambiental enfraquecerá a coesão da comunidade (Oficina de Atualização do Mapa dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais; Diamantina: 2012).

 

Como a comunidade conseguiu junto à Fundação Cultural Palmares a Certidão de Comunidade Remanescente de Quilombo, ações junto aos Ministérios Públicos Estadual e Federal culminaram em uma Recomendação Conjunta dos dois Ministérios, ao IEF, para que o processo de ampliação dos parques seja suspenso até que o INCRA proceda ao processo de delimitação  e demarcação do território da comunidade quilombola.

 

Mesmo com a recomendação dos Ministérios Públicos, os gestores locais do IEF não desistiram do projeto de ampliação dos parques sobre o território quilombola e têm feito uma série de pressões sobre os comunitários como a intensificação das fiscalizações, aplicação de multas e repressões sobre as atividades tradicionais.

 

Em 2017, as comunidades reivindicavam que a categorização do Parque fosse alterada para Reserva de Desenvolvimento Sustentável, assim seria permitido o manejo das flores pela comunidade. Além de não conseguirem realizar a atividade tradicional da ‘panha’ das flores, o temor era de que empresas privadas se aproveitassem do conhecimento tradicional e da biodiversidade presente no território.

Em 2018, as comunidades da região do entorno do parque apresentaram dossiê a fim de serem reconhecidas como Sistema Agrícola Tradicional (SAT) pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e passar a integrar o rol de Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial (SIPAM).

Nas palavras de uma das pesquisadoras que participou da elaboração do dossiê que permitiu essa vitória

 “Na Serra do Espinhaço, essas comunidades constroem fertilidade do solo e colhem fartura e autonomia alimentar. Elas não só têm mãos hábeis para colher flores, elas são exímias agricultoras e criadoras. São detentoras de um conhecimento incrível. Dos 600 aos 1.400 metros de altitude, conhecem cada palmo dessa Serra e cada possibilidade de produção de alimento, de geração de renda e de vida” (CAA, Uma palavra só...Fernanda Monteiro, 2017)

 

Essa conquista permitiria que a prática agrícola tradicional fosse realizada em áreas das unidades de conservação da região trazendo, assim, a descriminalização da atividade. O reconhecimento foi realizado em março de 2020.

Em meio a esse processo de reconhecimento, além da criminalização de suas atividades tradicionais, a comunidade vem enfrentando a ameaça da mineração em seu território. Em novembro de 2019 a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável em Minas Gerais (SEMAD) chegou a emitir uma licença ambiental simplificada para uma mineradora iniciar as suas atividades sem antes verificar junto à Fundação Cultural Palmares (FCP) sobre a existência de comunidades quilombolas na região e sem respeitar o protocolo de consulta prévia construído e apresentado pela própria comunidade em junho deste mesmo ano.

Após denúncia, o Ministério Publico Federal (MPF) de Sete Lagoas emitiu, em fevereiro de 2020, Recomendação para que a SEMAD não emita licenças ambientais sem antes fazer, entre outras coisas, consulta à Fundação Cultural Palmares sobre a existência de comunidades quilombolas e tradicionais na área de abrangência do empreendimento e que, constatada a existência, “REQUEIRA da referida fundação manifestação sobre a existência de impactos socioambientais, econômicos e culturais às comunidades e territórios quilombolas decorrentes da obra, atividade ou empreendimento objeto do licenciamento” (MPF, 2020, p.12).

 

Fonte(s):

 

CAA - Uma palavra só: Comunidades apanhadoras de flores reivindicam o reconhecimento do direito de acesso e uso da biodiversidade. Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas.  17 abr. 2017. Disponível em: <https://www.caa.org.br/biblioteca/noticia/uma-palavra-so-comunidades-apanhadoras-de-flores-reivindicam-o-reconhecimento-do-direito-de-acesso-e-uso-da-biodiversidade>. Acesso em: 20 ago. 2020.

 

CAA - Sempre Viva na Luta. Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas. 27 jun. 2018. Disponível em: <https://www.caa.org.br/biblioteca/noticia/cultivo-das-sempre-vivas-ganha-reconhecimento-publico-internacional>. Acesso em: 20 ago. 2020.

 

CEDEFES - Apanhadoras de flores sempre-vivas (MG) reivindicam serem consultadas sobre ações nos territórios. Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva. 11 jun. 2019. Disponível em: <https://www.cedefes.org.br/apanhadoras-de-flores-sempre-vivas-mg-reivindicam-serem-consultadas-sobre-acoes-nos-territorios/>. Acesso em: 20 ago. 2020.

 

Relatos de representantes da Comunidade da Mata dos Crioulos durante a Oficina Cidadania e Justiça Ambiental/Jequitinhonha; GESTA/UFVJM. Diamantina, janeiro de 2010.

 

Relato de representante da Comunidade da Mata dos Crioulos durante Oficina de Atualização do Mapa dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais/Jequitinhonha; GESTA/UFVJM. Diamantina, junho de 2012.  

MPF. Ministério Público Federal/Sete Lagoas. Recomendação nº 3/2020. 12 fev. 2020. Disponível em: <http://apps.mpf.mp.br/aptusmpf/protected/download?sistema=portal&modulo=0&id=45037463&tipoArquivo=application/pdf&nomeArquivo=45037463.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2020.

 

Sistema agrícola dos apanhadores de flores sempre vivas traz para Minas reconhecimento internacional. Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais. 11 mar 2020. Disponível em: <http://www.agricultura.mg.gov.br/index.php/component/gmg/story/3734-sistema-agricola-dos-apanhadores-de-flores-sempre-vivas-traz-para-minas-reconhecimento-internacional>. Acesso em: 20 ago. 2020

 

Terra de Direitos. MPF/MG recomenda que não seja emitida licença para mineração sem consulta prévia às comunidades quilombolas. Terra de Direitos. 02 mar 2020. Disponível em: <https://terradedireitos.org.br/noticias/noticias/mpfmg-recomenda-que-nao-seja-emitida-licenca-para-mineracao-sem-consulta-previa-as-comunidades-quilombolas/23245 >. Acesso em: 20 ago 2020

 

Trabalho de campo realizado por pesquisadores da UFVJM no período de junho de 2011 a junho de 2012 junto às comunidades atingidas pelos Parques Estaduais do Pico do Itambé e do Rio Preto.

 

Materiais Relacionados

  1. Publicacao DOU Certificacao Mata dos Crioulos.pdf