A cidade que a mina da Kinross engoliu: Paracatu, MG

Por G.A., de Paracatu (MG), em El País

“Lá em cima a água era geladinha, era lindo demais, existiam várias nascentes que formavam piscinas naturais”, diz Marcos Antonio Barbosa Costa, 28, com um sorriso nos lábios. As lembranças de outros tempos parecem inundar a cabeça do jovem: “Tinha até orquídea lá. Quebrei a perna uma vez pulando no poço Azulão, que era um dos maiores. Era bom demais para nadar, o pessoal levava até churrasqueira nos finais de semana”. A última lembrança dos mergulhos, no entanto, parece trazê-lo de volta aos tempos atuais, com os cursos de água contaminados por arsênio proveniente das atividades de mineração em Paracatu, Minas Gerais. “Quando eu abri o olho dentro da água, alguns anos atrás, começou a arder muito”. Hoje em dia, mesmo que quisesse, não poderia mais nadar no local. A área foi cercada, e os poços destruídos para abrigar a maior mina de ouro a céu aberto do mundo, operada pela empresa canadense Kinross.

Costa é um dos moradores do bairro Amoreiras, localizado no extremo norte da cidade, e logo abaixo da mina. “No início, a lavra [local onde o minério é removido] ficava distante”, diz o jovem. Hoje pouco mais de uma centena de metros separam o enorme buraco cinza – onde caminhões enormes carregam toneladas de rocha para beneficiamento – das casas. “Aqui já foi bom de morar. Agora não é mais”, afirma Carlos Alberto Gonçalves Aragão, 50, morador do bairro há 40 anos. “Além da poluição e da poeira que todo dia junta dentro de casa, ainda existem as explosões”, diz. Ele se refere às detonações quase diárias de dinamite na lavra para soltar os pedaços de rocha que serão processados para a extração do ouro: “Treme tudo. Se tiver copo na beira da mesa, vai para o chão”.

Parte do bairro não existe mais. A Kinross comprou vários terrenos com o objetivo de ampliar a área explorada. Ainda é possível ver ruas asfaltadas, margeadas por postes de energia atravessando quarteirões vazios. Um lembrete sombrio para os moradores do Amoreiras. Aragão reclama ainda de problemas de saúde que ele atribui à poeira que vem da mina. “Tenho problema de pressão há seis anos”, diz. “Mas tudo que acontece aqui eles dizem que não tem a ver com a Kinross. É culpa nossa, do povo”, comenta em tom irônico. Um relatório do Centro de Tecnologia Mineral do Governo Federal apontou a existência de altos níveis de arsênio, uma substância altamente tóxica, na água, no ar e no solo da cidade. Algumas das doenças provocadas pela exposição a este mineral incluem vários tipos de câncer, diabetes e problemas respiratórios e cardíacos.

 

Dalci mostra rachaduras nas paredes no bairro Amoreiras. Foto: Gustavo Basso
Dalci mostra rachaduras nas paredes no bairro Amoreiras. Foto: Gustavo Basso

 Kinross alega que borrifa água 24 horas por dia, para evitar que os grãos se espalhem no ar. Em nota, a companhia disse que “os resultados do monitoramento da poeira estão disponíveis para consulta pública pelo site www.feam.br”.

Outra consequência das explosões na mina, segundo os moradores, são os danos provocados nas casas do bairro. Dezenas de residências apresentam rachaduras que em muitos casos comprometem a estrutura. O pedreiro e mestre de obras Dalci Gonçalves, 47, morador do Amoreiras e responsável por reparar várias das residências afetadas, afirma que a maioria “são casas com fundação boa, com alicerce sólido, não são construídas diretamente sobre a terra”. Segundo ele, “elas não deveriam estar neste estado”.

Edna Oliveira, 40, desistiu de limpar a casa. “Não adianta. No dia seguinte a poeira está toda aqui de novo, em cima dos móveis, no chão, no ar…”, diz. Ela também afirma que os dois filhos “vivem gripados”. “Os médicos falam que é alergia a poeira. Mas vou morar aonde? Minha casa está no meio da poeira”. O Amoreiras não é o único bairro que fica à beira da mina – apelidada de “buraco” pelos moradores. O Alto da Colina e o Bela Vista II também sofrem com os mesmos problemas: poeira, rachaduras e problemas médicos.

“Minha saúde está péssima. Falta de ar, pressão alta, e uma dor de cabeça constante são alguns dos meus sintomas”, diz Rosilena Barbosa da Silva, 39, moradora do Alto da Colina. De acordo com ela, quando a Kinross começou a explodir rochas em um pedaço da mina mais próximo ao bairro, alguns anos atrás, “a poeira e o cheiro de produto químico aumentaram muito, e foi aí que minha saúde piorou”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: http://racismoambiental.net.br/2015/05/26/a-cidade-que-a-mina-da-kinross-engoliu-paracatu-mg/

 

 

 

 

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