PROJETO MINAS-RIO CONTINUA A ABUSAR DOS PEQUENOS E A DESAFIAR A DIGNIDADE DO POVO, DA JUSTIÇA E DO ESTADO BRASILEIRO

“A sensação que eu tenho é que a minha mãe, minha mãe natureza, está sendo estuprada!”

(Lúcio da Silva Pimenta – proprietário e morador de imóvel na Fazenda Pereira e Ferrugem).

No dia 19 de janeiro de 2017, foi proferida mais uma decisão judicial que confirma o cenário de opressão e violação de direitos no município de Conceição do Mato Dentro. A referida decisão, em caráter liminar, autoriza a mineradora Anglo American a entrar na posse de imóvel rural denominado “Fazenda Pereira e Ferrugem”, situado no distrito de São Sebastião do Bom Sucesso (conhecido como Sapo). O prazo para a desocupação voluntária é de 20 (vinte) dias corridos, e o não cumprimento poderá ser respondido com o uso de força policial.

O objetivo da mineradora é construir o dique 2, isto é, uma barragem de contenção de sedimentos/lama de uma pilha de estéril, na área da família Pimenta. É o que consta do Parecer Único da Superintendência Regional de Meio Ambiente (SUPRAM Jequitinhonha) nº 1000239/2016 (http://www.semad.mg.gov.br/copam/urcs/Jequitinhonha), que analisa a implantação de novas estruturas para otimização da mina de minério de ferro do Projeto Minas-Rio.

Em meio a protestos, reivindicações e denúncias de violações de direitos por parte das comunidades atingidas, instituições universitárias e movimentos sociais, a licença ambiental referente à ampliação da mina do Sapo (Etapa 2) foi concedida na 100ª reunião do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM), realizada em outubro de 2016, em Diamantina/MG.

O descaso dos órgãos ambientais frente à situação de vulnerabilidade das famílias do entorno da mina sinaliza o favorecimento do projeto econômico que vem dominando o município e o fez refém do violento processo de exploração dos recursos naturais.

Em troca de pretenso desenvolvimento econômico e social para o município, Estado e Mercado, “de mãos dadas”, continuam atuando seletivamente para prejudicar comunidades pobres e abrir espaço para o lucro, auxiliados pelo desequilíbrio do julgamento e decisões dos poderes Executivo e Judiciário, que fazem pouco caso dos valores da honra e da sustentabilidade social e ambiental.

A reiteração de remoções forçadas para a instalação, operação e expansão do Projeto Minas-Rio vem sendo denunciada por ambientalistas, organizações científicas, instituições de direitos humanos, movimentos sociais e, principalmente, pelas comunidades atingidas concentradas na região de Conceição do Mato Dentro.

O cenário de conflito perdura desde o início do processo de compra de terras na região, realizado antes mesmo do licenciamento ambiental do empreendimento. Como é de amplo conhecimento, moradores e pequenos proprietários de terras, ludibriados, relataram a chegada sorrateira da empresa “Borba Gato” (laranja da então MMX, cujo dono está encarcerado no Rio de Janeiro pela relação promíscua com autoridades públicas). Depois da venda do Minas-Rio à Anglo American, boa parte dos técnicos e dirigentes a serviço de Eike Batista migraram para a nova proprietária do projeto e mantiveram a prática da MMX, com o apoio irresponsável e viciado de autoridades públicas.

O que se percebe é que um imenso abismo jurídico cerca o município de Conceição do Mato Dentro. As ações arbitrárias por parte do Estado, que desconsideram o ser humano em sua dignidade, demonstram a parceria promíscua e escusa firmada com a mineradora para legitimar violações de direitos de populações pobres e vulneráveis.

Como tentativa de minimizar os efeitos dessa situação, foi instituída, no âmbito do próprio Estado de Minas Gerais, a Mesa de Diálogo e Negociação Permanente, com o anunciado objetivo de “promover debates e negociações com o intuito de prevenir, mediar e solucionar de forma justa e pacífica, os conflitos em matéria socioambiental e fundiária, mediante a participação dos setores da sociedade civil e do Governo diretamente envolvidos”. (Decreto Estadual nº 203, de 1º de julho de 2015).

De acordo com os parâmetros estabelecidos pela Mesa de Diálogo, em casos de remoção forçada, qualquer desocupação no Estado de Minas Gerais deverá ocorrer em, no mínimo, 30 (trinta) dias, devendo o caso passar obrigatoriamente pela Mesa. A decisão judicial em questão descumpre, portanto, o acordo estabelecido com os movimentos sociais, comunidades e grupos vulneráveis que se fizeram representar na Mesa.

O Sr. Lúcio da Silva Pimenta, réu na ação de servidão minerária que objetiva culminar com sua remoção obrigatória, é uma das vítimas desse processo. Lúcio Pimenta é sobrinho da Dona Natalina, senhora octogenária despejada, com seus filhos, de sua casa, no mesmo distrito, em dezembro de 2015. Não bastasse o modo de vida tranquilo e que dava sentido a sua existência, o processo que culminou na expulsão da família de Dona Natalina de suas terras é permeado por inconsistências processuais e pendências contratuais até hoje.

Se nenhuma providência for tomada pelas autoridades das quais esperamos Justiça, Lúcio Pimenta e outros moradores da Fazenda Pereira e Ferrugem poderão passar pela mesma situação, com o uso da força em favor da grande e desastrada empresa. Todos aqueles que residem na área de 6 hectares sofrerão, assim, as consequências da decisão que opta pelos diques de contenção de rejeitos contra o direito à vida pacífica na zona rural e contra o compromisso anteriormente firmado pela própria empresa com estas famílias.

No Programa de Negociação Fundiária (PNF) apresentado aos órgãos ambientais, a empresa também fez constar uma referência especial aos núcleos familiares da Fazenda Pereira e Ferrugem. Este PNF fala em “tratamento diferenciado” e em “processo de negociação específico” para estas famílias, “respeitando suas peculiaridades sócio-culturais e promovendo o maior envolvimento dos núcleos familiares neste processo, com liberdade para se expressarem a partir da compreensão exata da dimensão dos acontecimentos”. (GEONATURA; Anglo American. Programa de Negociação Fundiária, 2010. p. 12). Porém, os fatos aqui narrados demonstram, mais uma vez, que a Anglo American descumpre compromissos formais assumidos por ela própria junto ao Poder Público e às comunidades.

Desde o início, o Projeto Minas-Rio foi marcado por violações ligadas às questões da terra na região de Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas, bem como em todo o percurso do mineroduto. Atualmente, a mídia tem denunciado uma gama de possíveis irregularidades envolvendo o projeto megalomaníaco e seu idealizador, Eike Batista. Em entrevista concedida à equipe da Rede Globo e publicada no Jornal O Tempo, de 2 de fevereiro de 2017, o empresário afirmou que no “Brasil que está nascendo agora (…) você vai pedir suas licenças, passar pelos procedimentos normais, transparentes e, se você for melhor, você ganhou e acabou a história”.

Espera-se que o cenário de corrupção entre políticos e empresários inescrupulosos não se perpetue, que os direitos inerentes e o respeito aos cidadãos atingidos por projetos como o Minas-Rio sejam garantidos em sua plenitude.

As instituições abaixo assinadas repudiam veementemente as ameaças, ações de opressão, violações de direitos e a violência estatal que se tornaram corriqueiras em Conceição do Mato Dentro. Que se dê um basta a processos de licenciamento ambiental recheados de irregularidades e abusos de autoridades municipais, estaduais e federais, que colocam famílias e comunidades rurais em situações de extrema fragilidade, estresse e insegurança.

Pedimos a todxs que apoiem a luta de Lúcio Pimenta, bem como das demais pessoas e comunidades que se dignam a levantar-se contra os abusos da mineradora Anglo American, que avaliem, assinem e compartilhem a presente nota, por justiça efetiva para nossas comunidades e pessoas.

Enquanto perdurar a atual situação, resistir será nossa obrigação.

 

Resistir é preciso. Sempre.

 

Assinam a presente nota:

 

Aline Pereira – Doutoranda no Centro de Estudos em Desenvolvimento da Universidade de Bonn (ZEF)

Cáritas Brasileira

Coletivo Margarida Alves

Fórum Nacional da Sociedade Civil na Gestão de Bacias Hidrográficas (Fonasc.CBH)

Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais – GESTA/UFMG

MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração

Programa Polos de Cidadania – UFMG

REAJA – Rede de Articulação e Justiça Ambiental dos Atingidos pelo Projeto Minas-Rio

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